quarta-feira, 29 de maio de 2019

Pós-“fake pact”, Bolsonaro hostiliza Maia, diz tolice legal e antevê Cancún



A conversa mole sobre o Pacto de Itararé, aquele que já foi sem nunca ter sido, durou algumas horas. No programa "O É da Coisa", afirmei que não havia acordo nenhum, que se tratava de pura retórica, que Bolsonaro estava apenas dando um truque nos presidentes da Câmara e do Senado, com uma certa conivência do presidente do Supremo, Dias Toffoli, autor original, já faz algum tempo, da ideia um tanto exótica de um Pacto Entre os Três Poderes. Está registrado nas ondas no rádio e também aqui no blog. Mal caía a noite, e Bolsonaro se encarregava de evidenciar que eu estava certo.

Não tem jeito. O presidente da República é um ególatra desinformado e reacionário, cuja logorreia só não é mais insultuosa porque parte se perde no buraco negro dos anacolutos. Então ficamos assim: de manhã, o tal café em que se teria acertado o pacto. À noite, uma canelada no presidente da Câmara. 

No Clube Naval, na solenidade de lançamento de mais uma frente parlamentar, desta vez a chamada "Frente Parlamentar Mista da Marinha Mercante", o presidente mandou ver, referindo-se ao deputado Rodrigo Maia, que não estava presente:
"Eu disse para ele, Maia: com a caneta, eu tenho muito mais poder do que vocês, apesar de você fazer leis. Eu tenho o poder de fazer decretos. Evidente que decretos com fundamentos." 

Não consta que Maia esteja disputando poder com Bolsonaro. De todo modo, há uma desinformação aí, o que não surpreende. Decretos presidenciais podem ser derrubados por PDLs (Projetos de Decretos Legislativos) com metade mais um dos votos. Parlamentares também podem derrubar vetos presidenciais. Mas um presidente da República não tem como vetar uma emenda constitucional — prerrogativa exclusiva do Supremo em caso de inconstitucionalidade. Assim, como é natural nas democracias, no que diz respeito ao universo das leis, o Poder Legislativo pode mais do que o Executivo.

Dilma tinha uma obsessão: o trem-bala (lembram-se?). Bolsonaro tem a sua: transformar a Estação Ecológica de Tamoios, localizada nos Municípios de Angra dos Reis e Parati, no Rio, no que ele chama "uma nova Cancun". Nem a comparação disfarça o apelo entre arrivista, deslumbrado e novo-riquista da estupidez. 

A que ele se referia com aquele papo de decreto? Ele mesmo explica: 
"Falei para ele [Maia] do caso da Baía de Angra. Nós podemos ser protagonistas e fazer com que a Baía de Angra seja uma nova Cancún. Do que nós dependemos para começar a tirar esse sonho do papel? De uma caneta Bic revogando o decreto que demarcou a Estação Ecológica de Tamoios, lá no governo Sarney, em 88."

Aí chamou à conversa Dias Toffoli, que estava presente à solenidade:
"Passamos para o prezado Dias Toffoli decidir essa questão. Se eu posso revogar uma lei, por que não posso revogar um decreto? A sorte está lançada. Baía de Angra! Se Deus quiser alcançaremos esse objetivo."

Sei lá o que Toffoli fazia no local, mas estava lá. Há uma soma formidável de bobagens no que vai acima: 

1: decreto não pode revogar lei; 
2: a estação ecológica foi criada em 1990, não em 1988, pelo decreto 9.864
3: a criação da estação ecológica está fundamentada numa Lei, a 6.902, que é de 1981 — do governo Figueiredo; 
4: tal estação só foi criada para atender ao que dispõe o decreto 84.973, que mexe com assunto delicado, também baixado por Figueiredo. Ele determina, no seu Artigo 1º, que "as usinas nucleares deverão ser localizadas em áreas delimitadas como estações ecológicas."

Assim, numa única solenidade, decretou a morte do tal pacto, que nem nasceu; disse uma porção de bobagens sobre a ordem legal e ainda ameaçou a segurança do meio ambiente e da produção de energia nuclear no país.

Por Reinaldo Azevedo

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