quarta-feira, 1 de maio de 2019

Bolsonaro sugere que Brasil poderia ser derrotado pela Venezuela


Bolsonaro estuda os números sobre as Forças Armadas e os investimentos
feitos antes de conceder uma entrevista

O presidente Jair Bolsonaro deu à luz a sua maior bobagem sobre as Forças Armadas brasileiras desde que assumiu o cargo e falou um conjunto impressionante de besteiras sobre a crise na Venezuela. Também resolveu rasgar a Constituição. E Rodrigo Maia, presidente da Câmara, já reagiu. Entendo que, em benefício da segurança do país, da tranquilidade dos brasileiros e da verdade, conviria que os respectivos comandantes das Três Forças, não com o ânimo de confrontar o presidente, porque seria descabido, mas de restaurar a ordem dos fatos, viessem a público com números na mão. Poderiam fazê-lo por intermédio do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. Numa entrevista por telefone a José Luiz Datena, na Band, Bolsonaro deu a entender que o Brasil poderia ser derrotado numa eventual guerra com a Venezuela. Não! Não estou de má vontade nem superinterpretando. Com todas as letras, falou o grande líder, referindo-se às Forças Armadas do Brasil: "NÓS NÃO PODEMOS FAZER FRENTE A NINGUÉM". E ainda: "A NOSSA PREOCUPAÇÃO É MUITOS MAIS NÃO SERMOS INVADIDOS DO QUE INVADIR". Disparou inverdades clamorosas sobre o suposto sucateamento da área. Para o presidente, se algum país quiser invadir o Brasil, "as nossas Forças Armadas têm um poder de reação um tanto quanto pequena (sic)". Sim, conceder entrevistas a quente pode ser positivo para os governantes. Mas é preciso saber o que dizer.

Fala de Bolsonaro é maior difamação da história das Forças


Abaixo a fala do presidente. No vídeo, a partir de 27min40s:

"Para a tomada do poder, ou para a conquista do poder de forma absoluta, ignorando a democracia e passando por cima da liberdade do nosso povo, a esquerda, o PT, tinha um grande obstáculo. Esse grande obstáculo — além das religiões, eu reconheço — tem a questão das Forças Armadas. Então, como você faz para dobrar a espinha vertebral das Forças Armadas, aniquilá-la, deixá-la de lado? É fazendo um trabalho como eles fizeram. Não só de sucateamento das Forças Armadas, como a tentativa constante de desacreditá-las junto à população, como a por exemplo a dita tal (sic) da Comissão da Verdade, uma grande mentira, um grande engodo, que serviu para 'sulapar' (sic), e muito, as Forças Armadas durante mais de 10 anos. E nós sobrevivemos a tudo isso daí. Agora, umas Forças Armadas, você não faz de uma hora outra. Eu não posso, até em quatro anos de governo meu, eu não tenho como erguer as Forças Armadas e colocá-la (sic) num estágio, né?, em que ela realmente possa, com garantia, dizer que nós estamos defendendo, né?, que estamos em condições de defender o nosso país de invasões ou de aventureiros que, porventura, queiram se apoderar de parte do nosso território. Agora, nós vamos trabalhar nesse sentido para ir recuperando as Forças Armadas porque, Datena, é (sic) as Forças Armadas de todos nós. É o ditado, né? Quem quer a paz tem de se preparar para guerra, e as nossas Forças Armadas, em que pese o caráter, a formação, o patriotismo, dos homens e mulheres que integram o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, nós não estamos bem de armamento. NÓS NÃO PODEMOS FAZER FRENTE A NINGUÉM. Se um país importante aí, bélico, nuclear, quiser aqui impor sanções a nós ou quiser, quem sabe, até partir para uma guerra de conquista — eu sei que hoje em dia isso quase não existe —, mas queiram usar do nosso país, as nossas Forças Armadas têm um poder de reação um tanto quanto pequena (sic). Nós não queremos falar de invasão da Venezuela. Você teria de analisar muita coisa. Que tipo de guerra seria isso daí? Seria uma aventura no meu entender. Agora, a última análise, em última hipótese, existe essa questão: mas não nós invadirmos; A NOSSA PREOCUPAÇÃO É MUITO MAIS NÃO SERMOS INVADIDOS DO QUE INVADIR. Não é essa a nossa vocação. Então as nossas Forças Armadas foram realmente muito maltratadas desde o governo Fernando Henrique Cardoso até agora por quê? Nós, a exemplo das religiões, éramos e somos um obstáculo definitivo para a tomada do poder".

Brasil é maior força militar da AL; Venezuela vence em 1 quesito

O que vai no post anterior é o que disse Bolsonaro. Agora os fatos. As Forças Armadas da Venezuela têm 123 mil homens; as do Brasil, 360 mil. Eles têm 83 aviões de combate; nós, 210. Temos 393 tanques contra 173; 1.627 blindados nossos contra 429 deles; são 1.930 peças de artilharia contra 515; 11 navios principais contra 6; 44 navios costeiros contra 33; cinco submarinos de ataque contra 2; 75 helicópteros de combate contra 50; 68 helicópteros de transporte contra 20. A principal arma da Venezuela é a defesa aérea: são 100 unidades de lançamento no Brasil contra 400 no país vizinho. Os dados são do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. Os números fazem do Brasil a principal potência militar latino-americana. É claro que não se deve nem mesmo sonhar com um ataque à Venezuela. Não necessariamente por medo de uma surra. A inconveniência é de outra natureza. Afirmar, no entanto, que o Brasil não tem nem mesmo condição de se defender, parece-me, humilha as Forças Armadas. E Bolsonaro fala até em ameaça de uma potência nuclear… Bem, aí todo argumento perde sentido, não é? Restaria ao Brasil o caminho da Coreia do Norte: começar a cuidar da bomba nuclear e da construção de misseis intercontinentais. Com a palavra Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa. Acho que lhe cabe tranquilizar ou deixar apavorados os brasileiros. Se é verdade que as Forças Armadas estão sucateadas e que qualquer um pode pintar e bordar em nosso território, então estamos gastando alguns bilhões por nada.

Comandantes têm obrigação moral de falar verdade sobre anos Lula

Na entrevista, como se nota, Bolsonaro volta à tese da grande conspiração comunista, que teria sido vencida pelas igrejas e pelos militares. E diz que o PT sucateou as Forças Armadas. Os comandantes das Forças Armadas e os militares da reserva sabem que isso é mentira. Exército, Marinha e Aeronáutica têm em seus arquivos os dados. Lula deu passos decisivos para a compra dos caças, o que se efetivou no governo Dilma, em 2013, ao custo de US$ 4,5 bilhões. Entre 2003 e 2011, o Orçamento da Defesa saltou duas vezes e meia, passando de R$ 24,85 bilhões para R$ 61,2 bilhões. Em 2014, para citar um ano difícil e já em crise, o Brasil estava em 11º no ranking dos países que mais gastam em defesa: US$ 31,7 bilhões — ou 1,4% do PIB. Bem perto da rica Coréia do Sul, que vive em situação de guerra declarada, mas não efetiva, com a Coreia do Norte: US$ 36,7 bilhões. Mais números: naquele ano, o Japão, ao alcance de mísseis intercontinentais norte-coreanos, gastava com a área 1% do PIB. Os dados são do Stockholm International Peace Research Institut (SIPRI). 

Na página da Marinha, vocês encontram a seguinte notícia, do dia 15 de dezembro de 2018: "O Riachuelo, primeiro submarino construído pelo Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), foi lançado ao mar na sexta-feira (14). A cerimônia ocorreu no Complexo Naval de Itaguaí, na região metropolitana do Rio de Janeiro. (…) O evento contou com a presença do presidente da República, Michel Temer; do presidente eleito, Jair Bolsonaro; do ministro da Defesa, Joaquim Silva e Luna; e do comandante da Marinha, almirante Eduardo Bacellar, entre outras autoridades civis e militares." O Riachuelo é o primeiro dos quatro submarinos convencionais do PROSUB, que prevê, além da construção concomitante dos quatro submarinos convencionais, a construção do primeiro submarino brasileiro com propulsão nuclear. Quem assinou o acordo com os franceses para tocar adiante o projeto, que está em curso, foi Lula. Nota: sim, Antonio Palocci, que hoje só não delata a mãe por um resto de pudor, diz ter havido propina aí também. Que se investigue antes de acusar. Fato: o governo do PT reaparelhou as Forças Armadas. É o oposto do que disse Bolsonaro. E creio que os militares têm a obrigação moral de lhe dizer isso.

Bolsonaro ignora a Constituição; Maia lembra que a Carta existe

Ainda na entrevista a Datena, insistindo na posição de subserviência às decisões de Donald Trump, que já aventou a possibilidade de intervir na Venezuela, Bolsonaro afirmou: "Eu entendo que isso não é uma figura de retórica por parte dele [Trump], é uma possibilidade, sim. Em ele, porventura, querendo usar o território brasileiro, eu digo o seguinte: eu convocaria o Conselho Nacional de Defesa, ouviria todas as autoridades do Conselho Nacional de Defesa e tomaria uma decisão".

No Twitter, escreveu ainda: 

"A situação da Venezuela preocupa a todos. Qualquer hipótese será decidida EXCLUSIVAMENTE pelo presidente da República, ouvindo o Conselho de Defesa Nacional. O governo segue unido, juntamente com outras nações, na busca da melhor solução que restabeleça a democracia naquele país". 

Bolsonaro precisa ler a Constituição. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, teve de lembrar: 

"Em relação ao tuíte do presidente Jair Bolsonaro sobre a situação da Venezuela, é importante lembrar que os artigos. 49, II c/c art. 84, XIX; c/c art. 137, II da Constituição Federal precisam ser respeitados. E eles determinam que é competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar uma declaração de guerra pelo Presidente da República." 

Maia está certo. A menos que o presidente feche o Congresso, ele não pode permitir nem mesmo a passagem de tropas americanas por solo brasileiro sem a autorização do Parlamento. 

A melhor coisa que o governo brasileiro pode produzir sobre a crise venezuelana é mesmo o silêncio. E que nenhum povo aventureiro tente tomar conta do Brasil, né? Segundo Bolsonaro, as nossas Forças Armadas "não podem fazer frente a ninguém".

Por Reinaldo Azevedo

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