quarta-feira, 8 de maio de 2019

Bolsonaro deve eleição a Moro, Lava Jato e Adélio, não a Olavo


A serpente e a fosseta loreal: Bolsonaro deve ser um daqueles mutantes
de uma antiga novela da Record. Ninguém sabia que ele era dotado de tal
órgão e que engole sapos por ali

O autointitulado professor e filósofo Olavo de Carvalho fez na manhã desta terça o mais covarde de todos os ataques aos militares, dirigido, no caso, contra Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e atual assessor do Gabinete da Segurança Institucional. Disparou: "Há coisas que nunca esperei ver, mas estou vendo. A pior delas foi altos oficiais militares, acossados por afirmações minhas que não conseguem contestar, irem buscar proteção escondendo-se por trás de um doente." Villas Bôas é portador de uma grave doença degenerativa, a esclerose lateral amiotrófica, conhecida pela sigla "ELA", que implica graves restrições físicas, mas não afeta o intelecto. Ninguém se surpreendeu. Ele é capaz de muito mais. A agressão revoltou o Alto Comando das Forças Armadas e os generais da reserva que compõem o governo. Todos, no entanto, decidiram silenciar. 

Não pensem que se ouviu de Bolsonaro alguma palavra de solidariedade ao general. Ao contrário. Depois de uma impressionante saraivada de agressões e baixarias disparada por Carvalho, o presidente publicou o seguinte texto no Facebook e no Twittrer: 

"- Cheguei na Câmara em 1991 e encontrei-a tomada pela esquerda num clima hostil às Forças Armadas e contrário às nossas tradições judaico-cristã (SIC). 

– Aos poucos outros nomes foram se somando na causa que defendia, entre eles Olavo de Carvalho 

– Olavo, sozinho, rapidamente tornou-se um ícone, verdadeiro fã para muitos.(SIC) 

– Seu trabalho contra a ideologia insana que matou milhões no mundo e retirou a liberdade de outras centenas de milhões é reconhecida por mim. 

– Sua obra em muito contribuiu para que eu chegasse no Governo, sem a qual o PT teria retornado ao Poder. – Sempre o terei nesse conceito, continuo admirando o Olavo. 

– Quanto aos desentendimentos ora públicos contra militares, aos quais devo minha formação e admiração, espero que seja uma página virada por ambas as partes. 

– Jair Bolsonaro/Presidente da República." 

A gramática como sempre é encantadora. Como se nota, o presidente não sabe a diferença entre "fã" e "ídolo". Afirmar que a Câmara, em 1991 ou em 2019, é hostil "às nossas tradições judaico-cristãs" não incide apenas na tolice. Trata-se também de uma mentira. Nota à margem: não é de hoje que implico com as tais "tradições judaico-cristãs". Por óbvio: ou são judaicas ou são cristãs, como sabem judeus e cristãos. Ainda que Cristo fosse efetivamente judeu, assim como Saul, o perseguidor de cristãos, que virou Paulo depois da conversão.

A CÂMARA EM 1991 

Também é mentira que a Câmara estivesse tomada pela esquerda. À época com 503 deputados, o PMDB elegeu 108; o PFL, 83; o PDS, 42; o PRN de Collor, 40, o PSDB, 38; o PTB, 38; o PDC, 22, o PL, 17; o PSC, 06; o PRS, 04; o PTR, 02; o PST, 2; o PSD, 01; o PMN, 01. De esquerda, apenas os 35 do PT, os 45 do PDT; os 5 do PCdoB, os 3 do PCB e, vá lá, os 11 do PSB, que sempre foi de centro. Ou por outra: dos 503 deputados, apenas 19,7% eram de esquerda. A isso o grande pensador chama "câmara tomada" por esquerdistas.

Só para comparar: hoje, as esquerdas somam 26,3%. Caso se considerem no grupo PPS, PV e Rede (não acho que sejam esquerdistas), chega-se a 28,8%. E olhem que estamos falando de uma maré conservadora, com forte viés reacionário, que certamente não se repetirá no país.

MORO, LAVA JATO E ADÉLIO 

Afirmar que, sem Olavo de Carvalho, o PT teria chegado ao Poder é uma estupidez delirante. E também uma ingratidão episódica, embora ele tenha pagado a conta. Bolsonaro deve a sua eleição à Lava Jato, em particular a Sérgio Moro, que condenou Lula sem provas, e a Adélio Bispo de Oliveira, o homem que lhe desferiu a facada. Segundo o próprio Flávio Bolsonaro, ela foi bastante eficaz eleitoralmente. 

A esmagadora maioria dos que votaram no atual presidente nunca ouviram falar do suposto pensador.

A FOSSETA DA COBRA 

Depois de encontro com a cúpula das Forças Armadas, em que se tratou de um contingenciamento no Orçamento de R$ 5,8 bilhões, Bolsonaro falou sobre o ataque de Carvalho aos militares nestes termos: 

"O Olavo é dono do seu nariz. Como eu sou do meu, e você é do seu. Então, liberdade de expressão. Eu recebo críticas muito graves todo dia e não reclamo. Inclusive, olha só. O pessoal fala muito em engolir sapo. Eu engulo sapo pela fosseta lacrimal e estou quieto aqui, OK?". 

Sabe-se lá onde diabos foi buscar a expressão "fosseta lacrimal". Humanos têm fossas nasais e lacrimais. A tal "fosseta" — que é "loreal", e não lacrimal, porque fica no "loro" — uma região entre o olho e a boca ou bico de répteis, peixes e aves — é própria de algumas cobras peçonhentas. 

Acho que os militares descobriram um tanto tarde que estavam lidando com alguém dotado de "fosseta loreal", não é mesmo? 

Convém ter à mão o soro antiofídico do respeito à Constituição e às leis. 

A cobra peçonhenta está por aí.

Por Reinaldo Azevedo

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