O presidente Jair Bolsonaro fez outra burrada monumental. Na sua live desta quinta — aquela que imita a estética Al Qaeda —, pediu ao povo argentino que não vote em Cristina Kirschner nas eleições de outubro. Ou, afirmou, o país vira outra Venezuela. Se não for impedida pela Justiça, Cristina pretende disputar de novo a Casa Rosa contra o atual presidente, Maurício Macri, que conduz um governo desastroso. Nas pesquisas de opinião, a ex-mandatária aparece na frente. A fala de Bolsonaro é um absurdo e uma temeridade, que viola, mais uma vez, os Incisos III e IV do Artigo 4º da Constituição, que consagram os princípios da autodeterminação dos povos e da não-intervenção. Segue o vídeo.
Agora é Bolsonaro quem fala a seguinte bobagem:
"A questão aqui da Argentina. Ninguém aqui vai se envolver em questões fora do país. Mas, eu, aqui como cidadão, todos aqui como cidadãos têm uma preocupação de que volte o governo anterior do Macri (sic). A presidente anterior [Cristina Kirchner] era ligada com Dilma, com Lula, com a Venezuela de Maduro e de Chávez, com Cuba. Se isso voltar, com toda a certeza, a Argentina vai entrar numa situação semelhante à da Venezuela (…). Eu espero que os nossos irmãos argentinos se conscientizem disso. Se o Macri não tá indo bem, paciência até… Vai lutar para melhorar. Ou alguém da linha dele. Agora, o que não pode é voltar Cristina Kirchner, que, no meu entender, os reflexos serão para o povo argentino e para todos nós. Poderemos, sim, com a volta de Cristina Kirchner, possível volta, peço a Deus que não aconteça, a nossa querida Argentina se transformar numa Venezuela, e não queremos isso".
Cumpre notar: o que fez Lula em 2012 e 2013 era uma estupidez política, e a Venezuela que está aí o prova por si mesma. Mas atenção! Ele não era mais presidente. Quem estava no comando do país era Dilma Rousseff, e ela não declarou apoio a ninguém. Bati duro em Lula e no PT porque estavam apoiando um regime autoritário, que conduzia a Venezuela ao desastre. Mas ele era um líder político fora do poder e podia falar as bobagens que quisesse.
Não é o caso de Bolsonaro, santo Deus! Ele é presidente da República. O que fez só serve para desmoralizá-lo aos olhos do mundo. A Argentina segue sendo, mesmo em período ruim, o terceiro país no ranking das exportações brasileiras. Em 2017, o Brasil teve um saldo positivo de US$ 8,184 bilhões nas relações comerciais com o país, o melhor da história. Em 2018, em razão da crise no país vizinho, sob o comando de Macri — tão apreciado por Bolsonaro —, esse valor se reduziu à metade: US$ 3,9 bilhões. E a coisa está piorando. No primeiro trimestre do ano passado, que já não foi tão bom como em 2017, o Brasil teve um superávit no comércio bilateral de US$ 2,04 bilhões; neste ano, no mesmo período, um déficit de US$ 333,75 milhões. A queda nas exportações brasileiras foi brutal na comparação entre os dois períodos: de US$ 4,39 bilhões para US$ 2,34 bilhões. Já as importações subiram de US$ 2,35 bilhões para US$ 2,68 bilhões.
Além de a intervenção de Bolsonaro ser, por si, absurda — procurem no mundo exemplos de governantes que dão palpites nas eleições de um outro país —, mete o dedo em vespeiro e faz terrorismo eleitoral com aquele que é um dos principais parceiros comerciais do Brasil. E se Cristina vencer suas dificuldades com a Justiça e se eleger presidente? Ainda que seja derrotada, sobra a estupidez de Bolsonaro. O que ele pretende? Ser a versão de extrema-direita do Foro de São Paulo?
Há mais: a intervenção do presidente brasileiro pode ter um efeito contrário ao pretendido. Se Cristina souber explorar as insatisfações populares e o espírito nacionalista — e ela é hábil nisso —, a fala do dito "Mito" pode reforçar a adesão à candidatura da ex-presidente. A propósito: um outro governante já se meteu nas eleições argentinas. Refiro-me a Hugo Chávez. E, no caso, para apoiar Cristina.
Observem o modo como Bolsonaro busca construir a sua liderança internacional: tentando derrubar o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro — que é, sim, um ditador, mas há um decoro internacional a ser cumprido — e se imiscuindo na política interna da Argentina. Não é por acaso que entidades e marcas comerciais de alcance global buscam hoje se dissociar do seu nome.
Certamente não disse o que disse de improviso. A operação deve ter sido combinada com seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, aquele que declarou acreditar no "Deus de Donald Trump". Ah, sim: Bolsonaro já declarou apoio à sua reeleição.
Também na política externa, estamos diante de um desastre sem precedentes.
Nota: eu espero que Cristina Kirchner seja derrotada se candidata. Mas sou apenas um jornalista, não um presidente da República.
Nenhum comentário:
Postar um comentário