O jurista Ives Gandra: para ele, ministro Gilmar Mendes atuou de acordo com as regras |
Do Consultor Jurídico:
Um juiz pode julgar com isenção um caso que envolve o pai da ex-mulher de um sobrinho de sua esposa — do qual ela foi madrinha no casamento em que o juiz a acompanhou? A opinião majoritária nas redes sociais é que sim, o julgador está impedido.
Mas não é o que pensam dez experientes profissionais ouvidos pela ConJur. Para quase todos, o descontentamento não é com a pretensa suspeição, mas com o fato de o ministro ter concedido Habeas Corpus quando o clamor público entende que o papel do juiz é condenar e não julgar.
“Esse tipo de arguição só ocorre quando existe a libertação de alguém da prisão ou quando a decisão é a favor da defesa”, afirma o presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Fabio Tofic Simantob. “Se a decisão for no sentido de prender ou condenar, ninguém entra nessa discussão”, diz Tofic, para quem está em curso “um movimento de perseguição a determinados juízes que é, na verdade, perseguição à defesa e contra os réus de forma geral”.
Para o conselheiro federal da OAB, Guilherme Batochio, não existe dúvida de que as hipóteses do artigo 254 do Código de Processo Penal são numerus clausus, ou seja, “não admitem interpretação extensiva”. A circunstância de o paciente do Habeas Corpus ser pai da ex-mulher do sobrinho da sua mulher, afirma Batochio, “não significa, necessariamente, que com ele tenha amizade íntima, que é uma das causas da suspeição”.
O professor Ives Gandra Martins declara-se amigo do ministro, com quem escreveu diversos livros nas últimas décadas. “Nem por isto ele deixou de indeferir pedidos meus, de acordo com sua consciência”, afirma. Declarar-se suspeito, diz o professor, “é decisão pessoal do magistrado, que dirá se pode ou não decidir aquela questão. Não há o que criticar, pois, na sua decisão, já que ele é absolutamente independente”.
Heleno Torres, professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP, lembra que não só à luz do CPP, mas também do Código de Processo Civil (artigo 145) a questão se coloca de forma diversa do que pretende o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. “Arguir suspeição exige provas. E não cabe transferir ônus de prova negativa a magistrado”, afirma ele, para quem a jurisprudência “está repleta de casos assemelhados”.
Para o professor de Direito Constitucional Marcus Vinícius Furtado Coêlho, “a livre convicção do magistrado é regra básica do estado de direito”. O ministro Gilmar Mendes, ressalta, “é reconhecido como um constitucionalista de relevo e ao decidir de acordo com a sua consciência, merece o respeito por parte de todos”. E repete: “suspeição é matéria de foro íntimo, ou seja é personalíssimo. As regras de impedimento estão expressas na lei e não podem ser alargadas”.
Paulo Guilherme Mendonça Lopes, do escritório Leite, Tosto e Barros, vai além: “A hipótese retratada, nem de longe, se enquadra dentre as hipóteses legais de suspeição ou impedimento do juiz e, na medida em que, num estado democrático de direito, estamos num governo em que prevalece o direito, e não a vontade dos homens, não há o que se falar no impedimento ou na suspeição do ministro Gilmar Mendes”. O mesmo entendimento é compartilhado pelo tributarista Raul Haidar.
Igor Mauler Santiago, do escritório Sacha Calmon acha risível a hipótese aventada. “Tem hora em que é melhor fechar os livros de Direito e recorrer ao humorismo”, afirma ele. “É como na música do Falcão: parente do amigo do soldado que morava em frente à casa do vereador.”
O conhecido criminalista Alberto Zacharias Toron diz com firmeza que “a decisão de soltar o paciente no pedido de Habeas Corpus é corretíssima. Não há o que questionar. Foi justa”. Problema de verdade, diz, é a existência de juízes que agem como tarados, o que, infelizmente, não dá impedimento”.
O civilista Eduardo Diamantino, na mesma linha afasta a hipótese do MPF. “O que está em causa, verdadeiramente, é que o ministro não compartilha do messianismo judicial que elevou o Ministério Público ao topo da hierarquia do sistema judiciário”.
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