quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Editorial do Estadão - A esperteza dos delatores


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Que o empresário Joesley Batista fez um negócio da China ao delatar o presidente Michel Temer em troca de total imunidade para os muitos crimes de corrupção envolvendo políticos, empresários e funcionários que confessou ter cometido, todos já sabiam. Agora, porém, surgem suspeitas de que Joesley e os executivos de sua empresa, a JBS, fizeram a bombástica delação também com o objetivo de ficarem livres de punição por supostas fraudes cometidas nos investimentos bilionários que o conglomerado recebeu do BNDES. Essa mutreta, se comprovada, reforça a sensação de que o instrumento da delação premiada, aplicado apressadamente por setores do Ministério Público, não tem servido apenas para esclarecer crimes e desmontar quadrilhas, mas também para livrar criminosos da prisão, enquanto dá a falsa impressão de que a corrupção está sendo combatida.

O novo caso envolvendo Joesley Batista foi revelado pelo procurador Ivan Marx, do Ministério Público Federal em Brasília. Responsável pela Operação Bullish, que investiga fraudes na concessão de aportes do BNDES, Marx disse que foram detectados problemas em contratos com a JBS que resultaram em perdas de mais de R$ 1 bilhão.

A JBS, como se sabe, foi uma das empresas mais beneficiadas pela política de incentivos aos “campeões nacionais” levada a cabo nos governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff. Entre 2005 e 2014, recebeu nada menos que R$ 10,63 bilhões do BNDES, transformando-se, da noite para o dia, na maior empresa do mundo no segmento de carne processada.

Em sua delação, os executivos da JBS informaram que em 2005 a empresa pagou propina para o então presidente do BNDES, Guido Mantega, para que este atuasse em favor da companhia. Afirmam, porém, que não houve fraude na análise técnica para concessão dos recursos, ou seja, embora Joesley tenha dito que os aportes do BNDES não sairiam sem a propina paga a Mantega, os delatores afirmaram desconhecer qualquer irregularidade.

O procurador Ivan Marx, no entanto, diz que as investigações apontam crime de gestão temerária nos processos favoráveis à JBS. “O BNDES não fez isso sozinho. Foi sempre por demanda deles (JBS)”, declarou Marx, acrescentando o que, a esta altura, começa a ficar óbvio: “Os executivos (da JBS) vão lá, fazem uma delação, conseguem imunidade e agora não querem responder à investigação”. O procurador informou que vai apresentar denúncia contra os executivos da JBS independentemente do acordo que a Procuradoria-Geral da República fez com Joesley Batista e seus acólitos.

Essa situação evidencia que as delações premiadas se transformaram em um bom negócio. Em vez de se prestarem a orientar investigações, as colaborações têm servido para livrar criminosos e até ocultar crimes, como no caso da JBS, desde que se entregue o que certos procuradores desejam – nomes graúdos da política. Parece estar em curso uma espécie de certame entre delatores em potencial, cuja colaboração só será considerada válida se dela constarem os nomes do presidente da República ou, na pior das hipóteses, de algum de seus ministros mais importantes.

É evidente que esse procedimento deslegitima o instrumento das delações premiadas, monopolizadas pelo Ministério Público como se fossem parte da acusação, e não da investigação. Essa distorção explica o entrevero ora em curso entre o Ministério Público e a Polícia Federal no que diz respeito às delações.

A Procuradoria-Geral da República entrou com ação no Supremo Tribunal Federal para questionar os artigos 2.º e 6.º da Lei 12.850/2013, que atribuem a delegados de polícia o poder de realizar acordos de delação. Para o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da Lava Jato, a prerrogativa de fazer acordos de delação é do Ministério Público, pois “só o Ministério Público pode acusar”. Já o diretor da Polícia Federal, Leandro Daiello, lembrando o óbvio, disse que a colaboração premiada é apenas “um instrumento de investigação”. Ou seja, não se pode tratar a delação como base da acusação, pois isso não apenas distorce a natureza desse instrumento, como confere ao delator uma importância desmesurada, e que acaba justificando prêmios igualmente desmedidos.

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