Ruy Fabiano |
Pelo visto somente o senador Demóstenes Torres pagará alguma coisa com a CPI do Cachoeira - e não propriamente em função dela, mas da Comissão de Ética, que lhe deve cassar o mandato. Os demais, incluindo Cachoeira, devem ser preservados.
O contraventor obteve anteontem um habeas corpus do Tribunal Federal da 1ª Região. É bem verdade que continua preso graças a outro mandado de prisão, expedido pela Justiça do DF.
Mas, se obteve um, não deve ter dificuldades em obter outro, já que tem a defendê-lo ninguém menos que Márcio Thomaz Bastos.
Por que Thomaz Bastos, ex-ministro e conselheiro de Lula, sabendo o que simboliza politicamente, se dispôs a defender o notório contraventor, é um mistério transparente.
O fato de estar recebendo R$ 15 milhões de honorários não paga o custo político e pessoal da defesa. Não se trata de alguém a quem R$ 15 milhões fariam falta ou acrescentariam muita coisa.
Thomaz Bastos está a décadas no mercado, à frente de uma das bancas mais prósperas do país. O que está em pauta, porém, não são os R$ 15 milhões, mas a reputação de um governo de que fez parte, e que tem em Cachoeira um homem-bomba, prestes a explodir. Um Roberto Jefferson sem imunidades.
A CPI começou errada, proposta pela maioria, tendo como objetivo punir dois inimigos de Lula e do PT: o próprio Demóstenes e o governador goiano Marcone Perillo – e, de quebra, incriminar a imprensa, acusando-a de conspirar contra o governo, e de produzir uma cortina de fumaça para o Mensalão.
Lula, conforme se infere de sua patética conversa com Gilmar Mendes, pretendia também usar a CPI para pressionar alguns ministros do STF. Disse a Mendes que controla a CPI e ofereceu-lhe blindagem, em troca de adiamento do julgamento do Mensalão. Uma troca vantajosa, desde que o interlocutor tivesse algo a temer. Não tinha.
Mas como as CPIs, mesmo as de araque, são sempre uma janela aberta ao imponderável, a do Cachoeira não fez por menos: trouxe à tona a Construtora Delta, de tal modo articulada com o bicheiro que se suspeita que o tenha como sócio secreto.
O certo é que a Delta, além de ter contribuído generosamente para a campanha eleitoral de Dilma Roussef, detém a maioria das obras milionárias do PAC, algumas obtidas sem licitação.
A Controladoria Geral da União (CGU) a considerou inidônea, mas o Dnit disse que manterá seus contratos com ela. Só aí a CPI teria motivos para se espantar.
Ao invés disso, considerou tudo normal e se recusou, por maioria (a maioria que a instalou), a convocar Fernando Cavendish, dono da Delta. As razões da recusa estão no noticiário, até aqui não desmentido: Cavendish, íntimo do governador Sérgio Cabral e de José Dirceu, seu ex-consultor, inevitavelmente levaria os amigos a serem convocados.
Coincidentemente, é no Rio, governado por Cabral, que está o maior faturamento da Delta.
Como PMDB e PT estão associados em não perder de vista o objetivo original da CPI – torná-la banco dos réus da oposição -, preferiram deixar Cavendish de fora, e com ele toda a penca de amigos influentes incrustados no coração da República.
O noticiário também dá conta, sem que ninguém se tenha dado ao trabalho de desmentir, que Lula não se satisfaz com a cabeça de Demóstenes: quer porque quer a de Perillo, responsável por tornar pública a informação de que o advertira do escândalo do Mensalão, desmoralizando o argumento do “eu não sabia”.
Lula topa até sacrificar o amigo e correligionário Agnelo Queiroz, governador do DF, com implicações bem mais explícitas que seu colega goiano, desde que Perillo pague pelo crime de tê-lo exposto a uma vexatória contradição.
Se a CPI não está servindo objetivamente para muita coisa, serve ao menos para dar à posteridade um pequeno retrato moral destes tempos que o Brasil atravessa.
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