O "casamento hétero" que Jair Bolsonaro diz manter com Paulo Guedes é o triunfo da esperança sobre a lógica. Sem que lhe perguntassem, o ministro da Economia declarou numa comissão do Senado, em 27 de março, que não tem apego ao cargo. Sairá de cena se notar que seu "serviço" não é desejado, esclareceu. Pois o presidente da República parece empenhado em testar os limites do seu auxiliar, reforçando a impressão de que a felicidade conjugal é uma utopia.
O telefonaço com que Bolsonaro impôs à Petrobras um prejuízo de R$ 32,4 bilhões foi a segunda bola quadrada que o capitão lançou nas costas de Guedes em 100 dias de governo. A primeira foi a desavença gratuita que eletrificou as relações do Planalto com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Para Guedes, o entrevero não serviu senão como estorvo à tramitação da reforma da Previdência, sua prioridade.
No novo desafio à paciência de Guedes, Bolsonaro insinua que a felicidade conjugal só é possível a três. No momento, o intervencionismo do capitão trai o ultraliberalismo do velho de Chicago numa aventura extramatrimonial com os caminhoneiros. Com um peteleco telefônico, Bolsonaro forçou a Petrobras a recuar num reajuste do preço do diesel. O presidente pulou a cerca num instante em que seu ministro vende o "novo Brasil" em Nova York.
Alcançado pelas câmeras e refletores, o Posto Ipiranga travou com com os repórteres um diálogo constrangedor. Coisa de ministro traído.
— O presidente Bolsonaro consultou o senhor?
— Eu passei o dia inteiro trabalhando. Não tenho informação suficiente. — Mas então o senhor não foi consultado? Se o senhor não sabe, o senhor não foi consultado. — Eu tenho um silêncio ensurdecedor para os senhores.
— O sr. não foi consultado, ministro?
— Um silêncio ensurdecedor sobre o assunto.
Distanciando-se dos holofotes, Paulo Guedes deixou escorrer dos lábios um derradeiro comentário. Classificou de "inferência razoável" a suposição de que Bolsonaro não o consultou antes de intervir na política de preços da Petrobras.
Ao perceber que a economia não aguenta desaforos, Bolsonaro correu ao Twitter, seu habitat natural. Num exercício de cinismo, tentou enquadrar seu ato institucional contra o reajuste do diesel num ambiente de normalidade econômica: "Nossa política é de mercado aberto e de não intervenção na economia." Hã, hã…
Bolsonaro ensaiou a coreografia de um meia-volta, volver: "O presidente da Petrobras, após nos ouvir, suspendeu temporariamente o reajuste. Convoquei os responsáveis pela política de preços para reunião, junto com os ministros da Economia, Infraestrutura e Minas e Energia."
Por Josias de Souza
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