O que a viagem do presidente Jair Bolsonaro a Israel tem em comum com a celebração do aniversário do golpe militar de 64 que ele insiste em dizer que não foi um golpe, mas uma revolução?
Uma palavra responde: retropia. Que significa uma volta ao passado mistificado. A utopia é um lugar inexistente, perfeito. A retropia é um passado perfeito ou quase, e que jamais existiu.
Zygmunt Bauman, filósofo polonês, filho de pais judeus, que viveu os horrores da 2ª Guerra Mundial, destacou-se pelo estudo da retropia e de suas causas. Ele a explica assim:
“O futuro, outrora a aposta segura para o investimento de esperanças, tem cada vez mais sabor de perigos indescritíveis. Então, a esperança, desprovida de futuro, procura abrigo num passado outrora ridicularizado e condenado, morada de equívocos e superstições”.
Bolsonaro foi a Israel para agradar os evangélicos que o apoiam. Parte deles acredita no mito de que cristãos e judeus se unirão um dia. Quando isso acontecer, Jesus voltará para salvar os convertidos.
Uma revolução democrática ao invés de um golpe que deu origem a uma ditadura que torturou e matou, é também um mito que agrada os militares, aliados de Bolsonaro, e a ele mesmo.
É retorno a um passado que se quer reescrever e idealizar para se contrapor a um presente indesejável e a um futuro que se teme. Não se lava dinheiro? Lava-se também o passado.
Daí porque menino deve vestir azul, e menina rosa. Cabe à mulher ser bonita, limpinha e cuidar da casa e dos filhos, e ao homem prover o sustento da família. Salário igual para os dois? Não.
Todo o mal deve ser atribuído aos que pensam e procedem de maneira inversa. O nazismo foi um mal? O nazismo, portanto, foi um movimento de esquerda, e a esquerda deve ser dizimada.
Globalismo tem a ver com comunismo. Resgate-se, pois, a ideia de Estados fortes. A imprensa é coisa do demônio, que é vermelho. As redes sociais são o paraíso e, ali, se travará o bom combate.
Brasil acima de tudo. Deus acima de todos – e estamos conversados.
Por Ricardo Noblat
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