Marli Gonçalves |
Levante a cabeça, esqueça os políticos. Lidere. Agora ou nunca, inclusive antes que a cidade acabe, desmoronada e envergonhada, junto de um país com os nervos em frangalhos envolto em bolsas e mentiras. Apenas comece, lidere, pelas mudanças que vêm sendo clamadas pelos de bem. Pode ser silenciosamente, da forma emburrada e trabalhadora que lhe é da personalidade, mas use o seu inegável poder. Reaja! Aproveite seu aniversário de 460 anos e reflita. Você, São Paulo, tem a força.
Há 90 anos, 1924, sábado, 5 de julho, um grupo de jovens tenentes aproveitava o fim de semana para tentar iniciar a mudança das coisas que vinham degringolando rapidamente. Queriam reformas, modernidade, desenvolvimento, clamavam por novos costumes e pelo fim do duro poder constituído à época. Era o início de uma batalha sangrenta, pavorosa e destrutiva, que durou 22 dias. Tocaram o governador do Palácio, aborreceram bastante o presidente Arthur Bernardes. Chamada ainda hoje de revolução esquecida, muitos de seus líderes foram simplesmente varridos das memórias, embora em alguns bairros da Capital as marcas e rombos ainda teimem em nos lembrar do horror dos bombardeios. Generais mandaram calar as vozes discordantes à base de destruição, com a morte de muitas famílias. Pois é: imagine que, sim, já houve uma guerra aqui. Há quem diga ainda que a mira era muito ruim e que as bombas eram jogadas ao léu, achatando casas, famílias e a nossa moral.
“Da Avenida Paulista ao Brás, ao Belenzinho, à Vila Mariana, à Mooca, às Perdizes, ao Ipiranga, à Vila Prudente, trincheiras foram abertas nas ruas. Um tiro de canhão despejou uma bomba no Liceu Coração de Jesus e feriu algumas crianças. A Igreja da Glória, no Lavapés, foi praticamente destruída. Famílias inteiras morreram dentro de casas bombardeadas. Mortos foram sepultados em terrenos baldios e quintais. Mais de um terço da população fugiu para o interior. Um grande número de adultos e crianças foi recolhido a um acampamento de refugiados da Cruz Vermelha. Aquele foi um dos invernos mais frios de São Paulo”, relembrou José de Souza Martins em artigo no Estadão, em 2010. “A cidade foi bombardeada durante 22 dias. Artur Bernardes e seu ministro da Guerra mandaram dizer aos que pediam misericórdia para o povo de São Paulo que São Paulo era rica e não teria problemas para reconstruir a bela cidade se ela fosse destruída…” – continua o relato.
E hoje? Hoje assistimos calados a nossos jovens sendo mortos nas esquinas por outros sem esperança. Qualquer coisa para e imobiliza a cidade, como se bombardeada de novo estivesse sendo todos os dias. Impiedosamente. Sem eira nem beira, e agora na versão prefeito coringa, atirador para tudo quanto é lado. Tudo cai, tudo fura, e o pouco de bom se esvanece com faixas voltando a emporcalhar até o visual que tentávamos melhorar. Aqui, buracos fazem aniversário junto da cidade. As árvores se suicidam ou são mortas por quem não gosta de suas folhas de outono. Todas as rotas estão rôtas.
Dê um passo à frente. A hora é agora. Todos os Estados estão submetidos a uma mão de ferro que aperta os pescoços se autointitulando mãe e salvadora. Tenho certeza de que se você, São Paulo, “abrir os trabalhos”, mais cidades virão e nos darão as mãos, porque é nelas que vivemos, nos municípios, nas vilas; nós e nossos vizinhos é que somos o poder cidadão.
Paulistaneidades, Paulistanices, Paulistadas, Paulistagens, paulistanidos – formaremos ainda mais novas palavras. Se já somos paulistinhas – peixes, aviões, vira-latas ou santas estátuas ocas – podemos ser chamados como paulistaninhos: grupo formado por essa gente de todos os lugares, culturas, rincões, e que aqui constroem suas vidas, alimentam seus filhotes, mas começam a perder seus sonhos e sono. Sem bairrismos, mas revolucionários.
São Paulo, não haverá quem negue sua força. Talvez sem charme, com a deselegância discreta de suas meninas, mas de sua força ninguém duvida. Aproveite o tempo. A coisa está tão feia que o verão inclemente já chega quase no fim e não houve ainda nem nova moda criada nas praias do Rio, como de costume. Por aqui só se ensaiam rolês em shoppings de cimento, para gáudio apenas dos sociologistas, psicolojecas chatos de plantão, que querem aplicar suas teses de banheiro à realidade mais crua e nua que se descortina.
Romantismo? Pode ser. Mas garanto que, nascida aqui na sua Rua Augusta, feita no Rio, com pai amazonense, mãe mineira e irmão do interior, conclamo a sua liderança em nome de todos os lugares, muitos recatados, outros dominados.
Não falo de política, desse ou outro partido, que todos estão esfacelados. Falo de ação, de conteúdo. Sem chuchu e sem esse povo sem tato que mais parece biruta de aeroporto em dia de vendaval. Também não falo – nem de longe!- de militares, porque só de ouvir o rufar de seus tambores sinto náuseas e lembro da distância do sonho dos jovens tenentes de outrora.
São Paulo, aproveite esse seu aniversário. Parabéns. Mas reaja. Volte a ocupar algum lugar nessa história.
Marli Gonçalves é jornalista – Podíamos começar pela tomada dos rios Tietê e Pinheiros, para limpá-los e, neles, ao menos podermos verter nossas lágrimas e continuar remando contra a maré. E-mails: marli@brickmann.com.br |marligo@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário