O Globo
O Tribunal do Júri condenou 23 dos 26 policiais militares acusados de matar 13 dos 111 detentos durante o massacre do Carandiru. Com pena de 12 anos de reclusão para cada homicídio, eles foram condenados a 156 anos de prisão, mas poderão recorrer da sentença em liberdade, de acordo com o juiz José Augusto Marzagão.
Inicialmente, os réus responderiam por 15 mortes, mas duas foram descartadas a pedido do Ministério Público porque as vítimas foram assassinadas com armas brancas, o que afastou a suspeita de ação policial. A Promotoria pediu também a absolvição de três policiais, que comprovaram estar em outros pontos do presídio do Carandiru no momento do massacre.
O último dia do julgamento durou mais de 16 horas e foi encerrado por volta de 1h20 deste domingo, com a leitura da sentença por parte do juiz. Para chegar à sentença, os jurados tiveram de responder a mais de 200 páginas de questionários, devido ao número de réus e vítimas.
O julgamento dos 26 policiais militares começou na última segunda-feira, dia 15, depois de ser suspenso por uma semana, em razão do mal estar de dos jurados. Com isso, o juiz Marzagão teve de dissolver o conselho de jurados e convocar um novo júri.
Na quarta-feira, a sessão do juri foi suspensa, novamente por causa de um mal estar de um outro jurado, mas ele retornou ao tribunal e o julgamento pode continuar. Ao longo da semana foram ouvidas testemunhas e autoridades, como o ex-governador de São Paulo Luiz Antonio Fleury Filho, em cuja gestão ocorreu a invasão do presídio que resultou nas 111 mortes, em 2 de outubro de 1992.
Ontem, a sessão começou às 9h50 da manhã, com o promotor de Justiça Fernando Pereira da Silva apresentado os argumentos da acusação. Ele defendeu que a ação do grupo de policiais réus no processo fosse julgada coletivamente.
E pediu aos jurados a absolvição de três dos 26 policiais militares acusados, que, segundo ele, não teriam participado das mortes no pavilhão 9. O julgamento do massacre foi dividido em quatro processos de acordo com o local das mortes dentro do presídio.
No início de sua exposição, o promotor disse que o massacre do Carandiru é "a causa mais complexa da Justiça brasileira", salientando que "as penas de prisão" das vítimas "foram transformadas em penas de morte".
— Segundo o Ministério Público, desde março de 1993, é uma ação (da tropa) de conduta coletiva. A defesa sempre tentou dizer que há necessidade de individualização da conduta, desde o início do processo — disse. — Todos dispararam. E cada qual teve ciência que contribuiu para a obra comum — ressaltou.
O promotor utilizou de laudos do Instituto Médico Legal (IML) da ocasião para mostrar que 84,6% das 13 vítimas do segundo pavimento, que está sendo julgado nesse processo, foram atingidos por disparos na cabeça e no pescoço. Já sobre os 23 policiais militares que teriam se ferido em confronto com presos em todo o pavilhão 9, segundo Fernando Pereira da Silva, a maioria teve escoriações, quedas acidentais e podem ter sido vítimas de ricochetes.
— Isso é balela (que os 23 policiais foram feridos no confronto com presos do pavilhão 9) — concluiu o promotor.
No total, o processo registra 15 mortes. Além das 13 por arma de fogo, uma foi causada por golpes de arma, e outra que constava no processo como morta no segundo pavimento, na verdade, foi encontrada na gaiola do pavimento superior, o terceiro.
— A decisão que sair daqui à noite vai repercutir no mundo todo -- disse o promotor dirigindo-se aos jurados ao finalizar sua apresentação, que durou três horas.
A advogada dos 26 réus policiais militares acusados pelo massacre, Ieda Ribeiro de Souza, em sua réplica acusou o ex-governador de São Paulo Luiz Antônio de Fleury Filho, arrolado como testemunha de defesa pela própria defensora, de omissão no caso. Disse ainda que a instituição Polícia Militar (PM) foi vendida duas vezes pelo governo paulista, a primeira deles no Carandiru e a segunda, na ocasião dos ataques de maio de 2006.
— Ele (Fleury) disse aqui: "Recebi a notícia de 50 corpos (no dia do massacre) e fui dormir. Como assim? (...) Essa corporação foi vendida. Ele disse: "A minha polícia não se omite". Mas eu digo: meu governador se omite.
Aos jurados, a advogada tentou desqualificar a perícia na época, contestando fotos e provas técnicas, além de lembrar de erros de laudos do IML na ocasião. Disse que outras perícias foram feitas por outros organismos, inclusive o Núcleo de Estudos de Violência da USP, que deu um parecer diferente ao da perícia sobre fotos feitas pela perícia.
— Resta à Promotoria a acusação genérica, a comoção social e os livros escritos única e exclusivamente na opinião dos detentos (...) Falta ao Ministério Público individualização da conduta. Foram pronunciados os 79 que disseram "eu atirei".
Ao concluir sua defesa, que durou duas horas, a advogada disse:
- Esse processo foi feito às pressas, de forma ridícula para dar satisfação a organismos internacionais - disse, acrescentando que cada jurado responderá a quatro quesitos para cada um dos 26 réus, vezes 15 vítimas.
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