Não faz muito tempo, o Brasil era um país monotemático. Duríssimo era o inimigo que inquietava a nação: o dragão da inflação. Como a atmosfera era de guerra, não se exigia do governo grandes resultados noutras áreas. A inflação, uma espécie de pesadelo do qual o brasileiro pelejava para acordar, obscurecia todos os outros problemas.
Nas últimas semanas, a inflação voltou às manchetes. Dilma Rousseff, que não mencionava a palavra em público senão para jactar-se de manter enjaulado o dragão, viu-se compelida a admitir o problema. Entre a noite de segunda-feira e a tarde de terça, a presidente falou de inflação em três oportunidades.
Numa, disse que “jamais voltaremos a ter aqueles juros em que qualquer necessidade de mexida os elevava para 15%, porque estavam em 12%. Hoje, temos uma taxa de juros real bem baixa. Qualquer necessidade de combate à inflação será possível fazer num patamar bem menor.”
Noutra, declarou que “não teremos o menor problema em atacar a inflação sistematicamente. Queremos que esse país se mantenha estável, porque a inflação corrói o tecido social. Corrói, para o trabalhador, a renda. E corrói, para o empresário, seu lucro legítimo.”
Horas antes, dissera: “Faço parte de um governo no qual nunca negociamos com a inflação, não fazemos concessões à inflação e sempre combatemos e combateremos a inflação. O controle da inflação é uma conquista desses dez anos, não abriremos mão desse controle.”
Dilma disse tudo isso uma semana depois da divulgação de um dado inquietante: no acumulado de 12 meses, o IPCA, índice oficial de preços, bateu em 6,59% no mês de março. Ficou-se sabendo que a inflação ultrapassara o teto da meta do governo, que é de 6,5% ao ano. A notícia potencializou a suspeita de que, sob Dilma, as autoridades econômicas flertavam com a tese de que, na busca do crescimento perdido, é admissível conviver com alguma inflação.
No passado, os economistas também se dividiram em duas alas. Uma achava que era preciso enfrentar o dragão a qualquer custo. Outra imaginava que o Brasil podia continuar correndo na frente do dragão. Com as labaredas na nuca, diziam que o dragão não era tão ruim quanto todos imaginavam. Desde que a situação fosse bem administrada, uma economia bem passada não era o fim do mundo.
Como demonstrado no vídeo que ilustra o texto (veja aqui), o Brasil só conseguiu debelar a superinflação depois de se livrar das mágicas. Dilma tortura a historiografia ao dizer que “o controle da inflação é uma conquista desses dez anos” do PT no poder. Em verdade, se dependesse do ex-PT, a estabilidade não existiria. Lula teve o mérito de beijar a cruz e preservar os avanços. Como tem a ambição de ser reeleita, Dilma inflaciona suas declarações sobre inflação por pragmatismo eleitoral.
Diz-se que o brasileiro não tem memória. Mas o que o brasileiro não tem mesmo é muita curiosidade. Há toda uma geração de eleitores que não viveu a experiência de receber um salário que, roído pela carestia, condenava o dono do contracheque a um fim de mês perpétuo. Quando perceber que o tomate 122% mais caro é uma forma de taxação que pode ser imposta sem legislação, mesmo a menos curiosa das criaturas vai olhar para trás. E logo perceberá que observar passivamente o pretérito passando não faz sentido.
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