Por Luis Fernando Veríssimo:
Minha neta entrou correndo no escritório e pulou no meu colo. Contou que vira
dois ratos no quintal, um rato malvado e um rato charmoso.
— E você está fugindo do rato malvado? — perguntei.
— Não — disse ela. — Estou fugindo do rato charmoso.
Não sei bem onde ela aprendeu “charmoso”, mas achei a sua lógica irretocável.
Lição inconsciente de vida: um rato charmoso é mais perigoso do que um rato
malvado. Um rato malvado é um rato malvado, sem fingimento. Um rato charmoso é
um dissimulado. Esconde a sua condição de rato. Pode convencer menininhas a
mimá-los como coelhinhos, antes de mostrar sua malvadeza. Você sabe o que
esperar de um rato malvado. Você não sabe o que há por trás da falsa fachada de
um rato charmoso.
Assim é na vida, muito particularmente na vida brasileira. Temos bandidos sem
qualquer encanto que os redima, e temos bandidos que usam seu charme para fazer
carreira, progredir, se eleger, ganhar respeito e cargos oficiais e às vezes até
monumentos e, finalmente, imunidade vitalícia. Todo o mundo sabe que são ratos,
mas o disfarce os salva.
Há casos, é verdade, em que os ratos charmosos são pegos como reles ratos
malvados, nos raros casos em que a ratoeira funciona da mesma maneira para uns e
para os outros. Mas os ratos charmosos sempre conseguem se safar. Voltam à vida
publica, são reaceitos no Congresso, mantêm o cargo na confederação, etc. Os
ratos malvados têm julgamentos sumários, os ratos charmosos podem contar com
processos longos e inconclusivos.
Os dois vistos no quintal eram imaginários, mas espero que minha neta e sua
geração saibam diferenciar os ratos, na realidade. Talvez quando ela crescer já
tenham inventado algum modo de imunização para diminuir os efeitos do charme na
vida nacional.
Uma espécie de dedetização moral. Sei lá.
Um comentário:
O alckmin e o serra são os ratos malvados deste conto, pois muito dissimulados.
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