quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Se o governo Bolsonaro fizer o que promete, pode levar à lona o agronegócio brasileiro - Fala do "Boçalzinho" é coisa de adolescente que joga “War”, não política externa; é o que Mourão chama orelhada


Eduardo Bolsonaro fala com jornalistas em Washington, nos Estados Unidos, nesta terça-feira (27) — Foto: TV Globo

Filho de eleito anuncia nos Estados Unidos mudança de embaixada: “Pergunta não é se, mas quando”

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um dos filhos do presidente eleito, Jair Bolsonaro, está em viagem aos EUA. Não está claro que fale com delegação expressa do pai, mas também não há evidências do contrário. Na área política, essa é uma constante da campanha eleitoral, que se estende agora nessa fase da transição. Loucura? Método? As duas coisas? Tanto faz? O fato é que ele confirmou a transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Nas suas palavras: “A questão não é perguntar se vai, a questão é perguntar quando será”. Aí você pode se perguntar: “Mas isso não deveria ser anunciado, então, pelo próprio presidente, quando ocorrer, ou pelo ministro das Relações Exteriores?’ A resposta: “É o que recomenda a sabedoria prudente e convencional”. Mas estamos vivendo tempos em que a prudência e o bom convencionalismo são chamados de “política tradicional”. E, por óbvio, falta tradição no bolsonarismo. Logo, não sobrariam nem prudência nem sabedoria. Ah, sim: se o governo Bosonaro fizer o que promete, pode levar à lona o agronegócio brasileiro. E não vai adiantar bater boca com o irrelevante MST para tentar agradar o setor.

Eduardo se reúne com genro de Trump. Diz atuar para resgatar credibilidade. De boné pró-reeleição

Em seu primeiro dia nos Estados Unidos, Eduardo participou de encontros no Departamento de Estado, na OEA (Organização dos Estados Americanos), no Conselho de Segurança Nacional e no Departamento de Comércio. Esteve, de manhã, com Jared Kushner, genro e um dos conselheiros do presidente americano, Donald Trump. Os Estados Unidos transferiram sua embaixada para Jerusalém, no que foram seguidos pela Guatemala. Até agora, são os dois únicos países a terem tomado essa decisão. O deputado também participou de um almoço na Câmara de Comércio Brasil-EUA. Ao deixar o evento, estava com um boné “Trump 2020”, com a marca: “Make America Great Again” — “Faça a América Grande de novo”. Afirmou: “Ganhei aqui. Bonito? Ganhei dos apoiadores que estão aqui”. O filho de Bolsonaro pôs a peça de propaganda eleitoral na cabeça e posou para fotos. Um dos alegados motivos de viagem é, como disse, “resgatar a credibilidade” do Brasil no exterior. É provável que os democratas considerem não ser esse um bom caminho.

Deputado diz que eventual retaliação de árabes pode ser revertida se Brasil atuar para frear o Irã!!!

Eduardo Bolsonaro resolveu navegar em águas um pouco perigosas quando lhe lembraram que a eventual transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém pode gerar uma reação negativa dos países árabes, com os quais o Brasil manteve um superávit comercial de US$ 8 bilhões no ano passado. É o segundo destino da exportação de proteína animal produzida em solo nativo. Ele deu, então, a seguinte resposta:

“Olha, todo mundo conhece Jair Bolsonaro. Ele falou bastante isso na campanha [a mudança da embaixada]. Se isso pode interferir alguma coisa no comércio, a gente tem que ter alguma maneira de tentar suprir caso venha a ocorrer esse tipo de retaliação. E eu acredito que a política no Oriente Médio já mudou bastante também. A maioria ali é sunita. E eles veem com grande perigo o Irã. Quem sabe apoiando políticas para frear o Irã, que quer dominar aquela região, a gente não consiga um apoio desses países árabes”.

Fala sobre Irã é coisa de adolescente que joga “War”, não política externa; é o que Mourão chama orelhada

Destaco de saída o pensamento mágico. Caso sobreviesse um boicote de países árabes, ainda que parcial, às importações brasileira, isso seria, nas palavras do deputado, “suprido” de que maneira? Para lembrar uma entrevista concedida pelo general Hamílton Mourão, vice-presidente eleito, coisas dessa importância não podem ser ditas “de orelhada”. Imaginar que o Brasil poderia, sei lá, apoiar medidas hostis ao Irã, de maioria xiita, para agradar os sunitas e, assim, amenizar uma eventual retaliação de países árabes em decorrência da mudança da embaixada é delírio de adolescente que joga “War”, não uma escolha de política externa. Não só tal opção poderia significar um atentado contra os interesses comerciais do Brasil como poderia servir, e para isto também alertou Mourão, para atrair para o nosso país tensões que remetem a um conflito no Oriente Médio do qual temos conseguido ficar prudentemente distantes — e isso inclui o terrorismo.

Brasil teve US$ 8 bi de superávit com árabes em 2017; com o Irã, neste ano, chega a US$ 5 bi. Vale a briga?

O que Eduardo Bolsonaro tem na cabeça em relação ao Irã? Não dá para saber. Segundo dados do Ministério da Indústria e Comércio, o intercâmbio bilateral Brasil-Irã movimentou, neste ano, até setembro, US$ 4,6 bilhões, e o superávit brasileiro é de US$ 4,551 bilhões. Sim, senhores! O Brasil exporta um volume considerável para aquele país e não importa praticamente nada: meros US$ 38 milhões no período. É o sexto destino das exportações brasileiras. O milho é o principal item da pauta: sozinho, responde por US$ 3,5 bilhões. Vai ver o filho de Bolsonaro já sabe para onde escoar também essa produção. Então ficamos assim: digamos que, na lógica de Eduardo Bolsonaro, os países árabes não se incomodem com a decisão brasileira de mudar a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém desde que o Brasil, então, resolva ser parceiro de Donald Trump na ação contra o Irã. Nesse cenário já improvável, manteríamos aqueles US$ 8 bilhões de superávit com, para ficar nos seus termos, os “sunitas”, mas poderíamos perder o, neste ano, já quase US$ 5 bilhões com os xiitas. Observem: esse e o cenário róseo. No mundo real, a coisa está mais para uma soma negativa contra o Brasil: perder parte considerável do superávit com os árabes e do superávit com o Irã, hipótese em que o espeto poderia ser bem superior a US$ 8 bilhões de dólares.

É isso o que o bolsonarismo chama de política externa não-ideológica? Produção rural do país em perigo

Ora, meus caros, minhas caras, é evidente que não é assim que se faz ainda que ao Brasil cumprisse, em sua aproximação com os EUA, ser parceiro servil da política de Donald Trump para o Oriente Médio. É a isso que Bolsonaro chama de política externa não ideológica? O que me parece nada ideológico e bastante pragmático e manter superávit de US$ 20 bilhões com a China, de US$ 8 bilhões com os árabes e de US$ 5 bilhões com o Irã. A menos que haja a determinação de quebrar o agronegócio brasileiro. Ou será que, nesse caso, basta ficar batendo boca com o irrelevante MST.

E não adianta ficar atacando a “mídia tradicional”. É uma questão matemática.

Por Reinaldo Azevedo

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