Com um programa de governo genérico, que não teve importância alguma para a sua eleição, Jair Bolsonaro ultrapassou a primeira semana do pós-vitória tateando. Agradou e desagradou as torcidas que ainda continuam armadas, e criou apreensão em quem, para além delas, se aflige com o país.
Foram dias de idas e vindas. Fusão dos ministérios da Agricultura e Meio Ambiente, anunciada e desanunciada por duas vezes, CPMF ressuscitada e proibida de ser citada, reforma da Previdência adiantada e retardada, alem da geração de uma crise desnecessária (como se o país precisasse de mais uma) ao revelar a intenção de transferir a embaixada de Israel para Jerusalém, como fez seu ídolo Donald Trump.
A semana culminou com a indicação do juiz Sérgio Moro para o Ministério da Justiça, para uns um gol de placa, para outros, contra, por dar armas e narrativa ao campo derrotado.
Moro tem credenciais de sobra na lida anticorrupção, uma das bandeiras do ex-capitão eleito. Mas, por óbvio, dá munição ao PT de Lula, que desde sempre se diz perseguido pelo juiz da Lava-Jato.
E é uma incógnita quanto a outros temas. O que pensa Moro sobre a flexibilização do porte de armas ou da exclusão de penalidades para o policial que mata? Sobre qualificar como terrorista quem invade propriedade privada ou sobre o direito dos índios às suas reservas? Concorda com o governador eleito do Rio, Wilson Witzel, de usar atiradores de elite para acertar “na cabeça” de portadores de fuzis? Com o uso de drones para abater bandidos? O que diz quanto às ameaças do seu futuro chefe à imprensa?
Mais: assim como Bolsonaro, Moro é um mito para seus fãs. E dificilmente um governo dá conta de um, quanto mais de dois deuses.
Mas se Moro pode provocar algumas enxaquecas futuras, ele é o menor dos problemas.
Agindo como uma empresa familiar, que colheu sucesso avassalador, com os filhos e poucos amigos influenciando nas decisões, Bolsonaro não tem conseguido controlar o bate-cabeça entre as estrelas de sua equipe. Muito menos a si próprio: fez pouco caso do Estado laico e orou em seu primeiro ato, afirmou e reafirmou obediência à Constituição e à liberdade, mas reincidiu nas ameaças à Folha de S. Paulo. Além de não dar um pio quanto às transgressões de aliados seus.
Um exemplo é o silêncio em relação à deputada estadual eleita Ana Caroline (PSL-SC), que, um dia após as eleições, estimulou os alunos a filmar e denunciar professores críticos a Bolsonaro. Outro é o de não condenar ações racistas feitas por adoradores em São Paulo e em Brasília, postura exigida de um líder para desestimular práticas de intolerância.
E aqui de nada vale a defesa de bolsonaristas dizendo que o PT fazia e faz pior. Possivelmente é verdade, mas o vencedor tem mais instrumentos para desarmar ânimos. E, imagina-se, foi eleito para mudar, e não quererá ele ser medido pela régua do adversário derrotado.
Bolsonaro triunfou por captar o antipetismo, o repúdio popular à bandalheira, à corrupção, à política que privilegia os políticos em detrimento de quem paga os impostos. Além da direita que saiu do armário, recebeu milhões de votos daqueles que queriam enterrar Lulas, Dilmas, Dirceus.
Foi a melhor resposta encontrada pelo eleitor para derrubar a institucionalização da corrupção promovida pelos governos petistas. Mas, para fazer valer “a lei e a ordem” como preconizou, não poderá namorar ações extraconstitucionais. Sob pena de estimular a censura, a justiça pelas próprias mãos, as milícias que matam. De institucionalizar a incivilidade.
Por: Mary Zaidan é jornalista.
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