quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Em dia de discursos um tanto palavrosos em defesa da Constituição, coube a Raquel Dodge, procuradora-geral, citar real sentido da Carta


Raquel Dodge e Bolsonaro: procuradora-geral lembra que respeito à
Constituição vai além de palavras

Muito bem! Então estamos todos de acordo que a Constituição e legal e não faz mal. Concordam com isso os respectivos presidentes dos Três Poderes e Jair Bolsonaro, que assume o comando da República no dia 1º de janeiro do ano que vem.

Mas democracia, com efeito, é mais do que o respeito formal às leis. Até porque é possível descumprir a Carta na sua essência, ainda que na aparência se mantenham seus fundamentos. Coube a Raquel Dodge, procuradora-geral da República, fazer tal lembrança. Disse ela:

“A Constituição inaugurou o regime democrático, que tem na defesa da dignidade e da liberdade humanas a centralidade de suas normas. Desde então as instituições brasileiras tornaram-se muito mais fortes e atuam para garantir uma sociedade justa, livre e solidária. Promover o bem-estar de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação, que são os objetivos fundamentais da República”.

A procuradora-geral da República defendeu ainda a liberdade de imprensa e a autonomia universitária:

“ A Constituição garante autonomia universitária para que a inovação, o saber e o aprendizado desenvolvam-se sem amarras. O governo de leis promove paz e estimula a concórdia. Numa nação de imigrantes e nativos a Constituição reconhece a pluralidade étnica, linguística, de crença e de opinião, a equidade no tratamento e o respeito às minorias. Garante liberdade de imprensa para que a informação e a transparência saneiem o conluio e revelem os males contra os indivíduos pelo bem comum”.

Como resta evidente, durante a campanha eleitoral, tanto Bolsonaro como alguns de seus seguidores não se mostraram exatamente reverentes a esses valores. Ainda nesta segunda, o presidente eleito resolveu afirmar que os professores deveriam ficar orgulhosos — sabe-se lá por quê — de terem suas aulas eventualmente filmadas por alunos. É sabido que tal prática busca constrangê-los a, como é mesmo?, “não ter partido”, de tal sorte que, então, não tê-lo corresponde a fazer o discurso com o qual concorda o cineasta-miliciano da hora. Ou o “mestre” vai parar nas redes sociais para ser demonizado.

E isso, definitivamente, rasga o espírito da Constituição e da civilidade democrática, não é mesmo? O combate ao proselitismo em sala de aula não se dá promovendo a guerra de todos contra todos. Ao fazê-lo, não se terá uma escola sem partido, mas apenas uma escola mais burra e intolerante.

E Raquel Dodge seguiu adiante, afirmando que não bata apenas celebrar a Constituição. É preciso também guardá-la, no sentido de vivenciá-la:

“É importante celebrá-la para que se mantenha viva, aderente aos fatos, fazendo justiça e correspondendo à vida real da nação. Para tanto, é preciso guardá-la. Não basta reverenciá-la em uma atitude contemplativa: é preciso guardá-la à luz da crença de que os países que custodiaram escrupulosamente suas Constituições identificam-se como aqueles à frente do processo civilizador e irradiadores de exemplaridade em favor das demais nações que hesitaram ou desdenharam em fazê-lo. Os frutos deste comportamento estatal em relação à Constituição são colhidos diretamente pelo povo, que se orgulha ou se envergonha de suas instituições”.

Bolsonaro, que já deixou claro que não vai indicar Dodge para um segundo mandato, ouviu o discurso e não aplaudiu a procuradora-geral.

Por Reinaldo Azevedo

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