Por três vezes, a multidão gritou gol, por quatro vezes mandou Dilma Rousseff tomar no c…Caía por terra o esquema oficial para blindá-la. De pouco adiantou entrar no Itaquerão quase clandestina. Dilma chegou em comboio por uma garagem. Subiu em elevador privativo. De nada adiantou evitar pronunciamento e quebrar a tradição de Copas do Mundo. Não se anunciou sua presença. Seu nome não foi citado. A imagem de Dilma no telão bastou para detonar o coro ofensivo. Pior que as vaias do ano passado. O que sentiu a herdeira do ausente Lula? Em seus sonhos, a estreia da Copa no Brasil seria sua consagração e do Partido dos Trabalhadores (PT). O que deu errado?
O primeiro gol contra não foi do Marcelo. Foi do técnico Lula. Há quatro anos, ele convocou como artilheira seu poste querido, inexperiente no gramado político, sem talento para driblar adversidades, sem criatividade para virar um placar, sem carisma para liderar companheiros, sem visão de jogo para lançamentos longos, sem precisão nos cruzamentos, sem vocação para trabalho de equipe. Uma capitã sem a generosidade do passe, sem a humildade da autocrítica, sem o brilho que encanta, sem sorriso, sem suor, sem humor. Dilma foi imposta por Lula até a aliados relutantes.
E, agora, o ex-presidente, corintiano roxo, que pontuou seus dois mandatos com metáforas futebolísticas, se viu coagido a não aparecer no Itaquerão em dia de gala. Ele, que articulou a construção do estádio para sediar a abertura do Mundial, viu o jogo no seu apartamento em São Bernardo, no ABC paulista. Medo de levar rebarba?
O insulto a Dilma foi vergonhoso – mais prejudicial a sua imagem que qualquer manifestação de black blocs ou grevistas do lado de fora. Por ser chulo, o coro também revelou a falta de compostura que acomete o Brasil. Evito cascas de banana sexistas, do tipo “não se faz isso com uma presidente mulher”. Se o presidente fosse homem, sentiria vergonha do mesmo jeito. Sabemos que o estádio é uma arena que convive com palavrões e xingamentos em todos os idiomas. Mesmo assim, gritar “ê, Dilma, vai tomar no c…” depõe contra os torcedores.
A imagem dela no telão bastou para detonar o coro ofensivo. Era para ser a apoteose do PT. O que falhou?
Quem mandou não investir direito em educação? Presidentes eleitos democraticamente já levaram ovo, tomate, já foram fisicamente agredidos em eventos de rua. Mas uma estreia de Copa tem rituais que devem ser observados. Uma vaia a Dilma teria sido mais elegante e mais eficaz.
Esse roteiro vulgar não foi obra e destempero apenas da torcida. Lulices e dilmadas contribuíram, na última década, para desiludir muitos eleitores que confiavam cegamente na seleção do PT. Dilma não foi a melhor escolha de Lula. Fominha – segundo a base aliada –, a capitã do time está em queda e cada vez mais isolada. A divisão do PMDB – time mais oportunista de todos, sempre! – acentua a rejeição ao estilo Dilma. Até Lula critica sua política econômica e sua comunicação, ao dizer que ela precisava ter sido mais “convincente” ao divulgar a Copa no Brasil. De que adianta ser “convincente”, se pouco mais da metade do que o Brasil prometeu fazer para a Copa ficou pronto?
Dois dias antes da abertura, Dilma disse, em cadeia de rádio e TV, que “os pessimistas já entraram perdendo”. Celebrou os estádios “prontos” e “a determinação do povo brasileiro”. Falou uma verdade: “A Seleção está acima de governos, partidos e interesses de qualquer grupo”. Vangloriou-se de exageros. Afirmou que, em uma década, 36 milhões de brasileiros foram retirados da miséria. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao governo federal, revelou que 8,4 milhões de pessoas deixaram de viver na miséria, de 2002 a 2012.
O brasileiro parou de acreditar nos índices oficiais de inflação, parou de confiar nas promessas. O pessimismo com a economia é recorde. A maioria acha que o Mundial traz mais prejuízo do que benefícios ao país. O brasileiro começa a recusar clichês. Mulata, índio, improviso, jeitinho, caipirinha, samba, nada é vacina contra o desencanto. Nem os quadris opulentos de Claudinha Leitte e J-Lo compensavam o artificialismo do som em playback, na abertura da Copa das Copas.
A nova pátria rejeita patriotadas e dá seu recado aos governantes: o futebol deixou de ser o ópio do povo. Uma fatia expressiva de brasileiros não confunde mais gol e voto. Temos um país mais maduro, que separa chuteiras de bandeiras, é capaz de cantar o hino a capela, torcer pelo Brasil e – por isso mesmo – protestar por direitos básicos. Saúde e educação, segurança, transporte, saneamento, fim da corrupção e bom uso de gastos públicos. Para quem dizia #naovaitercopa, o melhor foi perceber que #vaitercopa e #vaitereleicao, tudo junto. Que ganhem os melhores, sem apitaço, sem roubo, sem favorecimento e sem violência.
RUTH DE AQUINO, jornalista da revista Época
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