Josias de Souza
Para Fernando Henrique Cardoso, o PT no poder tornou-se um plágio “malfeito” e “envergonhado” de sua gestão. “Muito do que ele renegou no passado e criticou no governo do PSDB passou a ser o pão nosso de cada dia da atual administração”, anotou o antecessor de Lula em artigo veiculado neste domingo (2).
FHC insinua no texto que os críticos são injustos ao cobrar do PSDB propostas alternativas. É o PT que não dispõe de um ideário, ele ironiza: “Sem coragem para fazer autocrítica, o petismo foi pouco a pouco assumindo o programa do PSDB, e agora os críticos do mais variado espectro cobram deste o suposto fato de não ter propostas para o Brasil… Entretanto, a versão modernizadora do PT é ‘envergonhada’.”
Em tempos de pré-campanha sucessória, FHC fustiga: “Fazem malfeito, como quem não está gostando, o que o PSDB fez e faria bem feito, se estivesse no comando.” Como exemplo, cita os “leilões de concessão para os aeroportos e para a remodelação de umas poucas estradas.”
“No início”, escreveu FHC, o PT “procurava mostrar as diferenças entre ‘nós’ e ‘eles’, em seu habitual maniqueísmo. ‘Nossos leilões’, diziam, ‘visam a obter a menor tarifa para os pedágios’. Ou, então, afirmavam, ‘nossos leilões mantêm a Infraero na administração dos aeroportos’.”
No dizer de FHC, as “inovações” do PT resultaram em problemas. “As empresas vencedoras nem sempre foram as melhores ou não fizeram as obras prometidas.” Em consequência, “pouco a pouco estão sendo obrigados a voltar à racionalidade, como terão de fazer no caso dos leilões para a construção de estradas de ferro, cuja proposta inicial assustou muita gente, principalmente os contribuintes.”
O governo de Dilma Rousseff, anotou FHC no artigo, padece de “miopia ideologica”. Uma cegueira que, segundo acredita, leva à “morosidade no avanço das obras de infraestrutura.” E tome sarcasmo: a lentidão “acabará por levar o governo petista a deixar de tentar descobrir a pólvora.”
FHC celebra a chegada da “vez dos portos.” Jacta-se de ter promovido a abertura do setor ainda no governo de Itamar Franco, a quem serviu como ministro da Fazenda. Cita a Lei 8.630, de 1993. Valoriza a cena: “Caro custou tornar viável aquela primeira abertura quando eu assumi a Presidência.”
Acusou Lula de injetar “confusão” nos portos ao editar o decreto 6.620. O documento obriga os donos dos terminais portuários privados a embarcar apenas “carga própria”. Acha que Dilma tenta “modernizar”. Mas faz isso “aos trancos e barrancos, sem negociar direito com as partes interessadas, trabalhadores e investidores…” Para piorar, não assume “claramente que está privatizando.”
FHC atribui à “nuvem ideológica”, potencializada por um “ufanismo mal colocado”, a incapacidade de Dilma de desenvolver uma “visão estratégica” que lhe permitisse “redefinir rumos e atacar com precisão os gargalos que atam nossas potencialidades econômicas ao passado.”
Na primeira frase do artigo, FHC escreveu: “Já passou da hora de o governo do PT beijar a cruz.” No último parágrafo, ele sustenta que os antagonistas do tucanato perderam a hora. “As dificuldades crescentes do governo em ver mais longe e administrar corretamente o dia a dia para ajustar a economia à nova fase do desenvolvimento capitalista global (como o PSDB fez na década de 90) indicam que é tarde para beijar a cruz, até porque o petismo não parece arrependido.”
“Melhor mudar os oficiantes nas eleições de 2014”, encerra FHC. Oficiante é como a Igreja chama os sacerdotes responsáveis por presidir os ofícios divinos nas igrejas, celebrar as missas. O ex-presidente tucano tem razão. Naquilo que é essencial, a bíblia do PT está cada vez mais parecida com a do PSDB. Os aliados já nem enxergam tantas variações ideológicas. Para eles, interessa apenas o enunciado inaugural: “No princípio era a verba.”
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