Marina Dutra
Do Contas Abertas
Pelo menos quatro dos 12 estádios que foram reformados e construídos para sediar a Copa do Mundo de 2014 devem se tornar verdadeiros “elefantes brancos”. A expressão se refere à um bem valioso, mas cujo custo e utilidade é desproporcional a sua utilidade e valor. Juntos, os estádios de Brasília (DF), Cuiabá (MT), Manaus (AM) e Natal (RN) devem custar, segundo dados do Portal da Transparência, R$ 2,8 bilhões. Uma parcela será financiada pelo BNDES, mas os governos estaduais entrarão com recursos próprios, ou seja, da sociedade. Em Brasília, todo o montante (R$1,2 bilhão) provém do governo do Distrito Federal. Em Manaus serão R$ 183,4 milhões, em Mato Grosso R$ 233,9 milhões e em Natal R$ 17,0 milhões.
Se o retorno do capital aplicado fosse unicamente decorrente da realização de partidas de futebol, sem contar os custos de manutenção, seriam necessários milhares de jogos para pagar as contas das arenas. Conforme levantamento do Contas Abertas, os campeonatos regionais desses estádios levam menos de 10 mil espectadores para uma final e têm menos de R$ 100 mil de arrecadação por jogo.
O Contas Abertas fez as contas para descobrir quantos jogos seriam necessários para compensar a verba gasta nos elefantes brancos, se os estádios fossem unicamente explorados pela administração pública, a partir de dados das federações estaduais de futebol do Distrito Federal, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e Amazonas.
Para compensar todo o dinheiro aplicado no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, que de acordo com o Portal da Transparência já custou R$ 1,2 bilhão aos cofres públicos, seria necessária a realização de 96.385 jogos. A conta foi feita tendo como base o primeiro jogo da final do campeonato brasiliense, que arrecadou R$ 12.450 e levou 1.956 pagantes ao Estádio Serejão, em Taguatinga (DF).
Pode ser que com o belo estádio, que entra para a lista de atrações turísticas de Brasília, o público aumente, mais vai ser dificil lotar os 71 mil lugares disponíveis para os torcedores. Os ingressos para a final do Candangão custaram de R$ 1 a R$ 20, valores quase simbólicos se comparados aos jogo Flamengo e Santos, realizado em maio no Mané Garrincha, que variavam entre R$ 80 e R$ 220.
Na final do Campeonato Mato-grossensse, 4.611 ingresssos foram vendidos, gerando renda de R$ 82,2 mil aos times Cuiabá e Mixto. Os ingressos para a final variavam entre R$ 10 e R$ 20. Para quitar os R$ 421,6 mil desembolsados na construção do Estádio Verdão, em Cuiabá, 5.129 jogos do mesmo porte teriam que ser realizados no local. O novo estádio terá capacidade para 43.136 espectadores, nove vezes o público da final estadual.
Os R$ 400 milhões previstos para serem gastos na construção da Arena das Dunas, em Natal, também vão demorar para surtirem efeitos na economia do estado. A final do Campeonato Potiguar levou 5.959 torcedores ao Estádio Barretão, em Ceará Mirim (RN), público mínimo se comparado a capacidade do novo centro de futebol – 43 mil pessoas. O jogo entre América e Potiguar gerou renda de R$ 99.460. Seriam precisos mais de 4 mil eventos como esse para pagar a Arena das Dunas.
A Arena Amazônica, orçada em R$ 568,8 milhões e com capacidade para 44 mil pessoas é outro empreendimento na lista dos elefantes brancos brasileiros. Cerca de 8 mil pessoas compareceram a final do Campeonato Amazonenese, que arrecadou R$ 54.000. Seriam necessárias mais de 10.500 partidas como essa para quitar as contas do estádio de Manaus.
Para contornar a realidade, os estádios construídos com recursos públicos serão concedidos a empresas privadas e utilizados também para shows e eventos culturais. Em Brasília, por exemplo, show da cantora americana Beyoncé está previsto já para setembro de 2013.
Em entrevista ao Contas Abertas, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), afirmou que os governantes podem argumentar que as arenas irão permitir atividades esportivas e culturais, mas isto seria possível com pequenas melhorias nos estádios anteriores. “O Brasil tem muitos problemas, mas um dos mais graves é não fazer contas. Eu lamento que tenhamos demorado tanto para despertar para um assunto que parecia obvio. Copa é para se ganhar em campo, não para construir campo”, conclui.
Segundo o deputado Romário, presidente da Comissão de Turismo e Desporto da Câmara, a quantidade de estádios foi um gasto desnecessário. “Posso afirmar que desses 12 estádios, no máximo seis terão vida própria. Se os governadores tivessem questionado a população sobre qual era a prioridade deles, com certeza não seria estádio, mas sim educação, saúde e transporte", conclui.
De acordo com o especialista em gestão pública, José Matias Pereira, os investimentos em estádios não demonstram o olhar de um país que pretende criar condições de bem estar para a população. “Estamos falando de recursos públicos que vão fazer falta na hora em que o país tiver efetivamente, e finalmente, um planejamento de longo prazo bem definido. Nessa hora, o governo não poderá ignorar que além das construções e reformas, os estádios possuem custos fixos de manutenção muito elevados”, explica.
Federação defende estádio
O diretor de competições da Federação Amazonense de Futebol, Ivan da Silva Guimarães, não concorda que o estádio será subutilizado. “Nosso campeonato tem crescido muito. Se tivéssemos a Arena da Amazônia pronta este ano, com 44 mil lugares, certamente a final do campeonato amazonense teria 44 mil torcedores”, afirma.
De acordo com Guimarães, há três anos Manaus está sem estádios de futebol profissionais e 99% dos jogos são realizados no interior do estado. “A expectativa é grande para a inauguração do estádio em Manaus. Com a chegada da arena, já houve investimento muito grande nas equipes”, completa.
O Contas Abertas também entrou em contato com as federações dos outros estados citados a matéria, mas até o fechamento, a reportagem não obteve resposta.
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