Por TT Catalão
Pompa e circunstância ocorreram como mandava o ritual fúnebre. Impunham-se pelo testemunho humano e religioso da trajetória histórica de Dom Eugenio Salles como confidente sóbrio e interlocutor protagonista de momentos coletivos e individuais.
Sob a óbvia polêmica em tudo que é humano sepultava-se a pessoa suave e o religioso em sua fidelidade absoluta aos cânones da igreja e à capacidade, discretíssima, de negociação e humanitarismo nos sombrios anos da ditadura.
Mais que a pompa e a circunstância eis que um integrante da Cruz Vermelha carioca solta uma pomba e esta, doméstica que era, procurou logo o porto seguro de um pouso. Poderia ser mais acima, mais abaixo, mas ela decidiu pelo caixão do cardeal. Para a felicidade iconoclasta da fotografia, um prato cheio.
Logo a pomba eternizada símbolo do Espírito Santo (invenção pelas línguas de fogo), adotada mais pelo dogma católico do que pelo sentido libertário de Espírito Santo (um mundo sem cadeias e sem fome) da tradição portuguesa.
As naturais conexões de bênção extraordinária são imediatamente feitas. Plasticamente as imagens são belíssimas. Um ícone se plasma ao vivo. O prato imagético transborda de cheio.
É também a pomba, desde Picasso, imortalizada com o raminho no bico como paz e salvação. Fazia sentido quando navegantes perdidos observavam uma ave com folhinhas e deduziam que a terra estava próxima.
O que nos interessa é a leitura do poder da imagem como superlativo nos códigos de persuasão e clichês da mídia.
A imagem, se força síntese, traduz concentradamente tudo aquilo que desejamos como ideia. Principalmente se já “queremos ver sinais” pautados sob uma fé, um mito e, às vezes, até uma farsa.
Hitler construiu o absurdo de “vingança do povo alemão pela humilhação na I Guerra” ao manipular a “culpa” concentrada em alvos definidos. E foi bem sucedido na lavagem cerebral.
Quando a gente quer crer, o estímulo bem elaborado, basta e faz das “mil repetições uma verdade”. Na política é comum a manipulação na construção de imagens, o pai dos pobres, o protetor dos descamisados, o redentor das lutas, o herói salvador. A pomba fechava a questão.
Foram poucos os articulistas que traçaram a complexa trajetória do cardeal em suas contradições. A pomba estava lá para não deixar dúvidas. Sua força resumia por si, embora o cardeal não estivesse em julgamento (nem merecia tal grosseria).
Poucos alinharam o quanto nos angustiava a tática do cardeal (que merece respeito no elenco das diversidades de opiniões) quando na própria Igreja tínhamos vozes mais radicais para a nossa pressa de luta.
Eu militava com Dom Adryano Hipolito na fogueira da Baixada Fluminense quando o pau quebrava solto.Sem pomba no final do túnel, muito menos um mísero raminho de oliveira. O tempo nos ensina a temperança ao nos mostrar a relatividade dos atos. Mas que a pomba serviu para achatar toda e qualquer leitura de contraponto, isto serviu.
Foi um “milagre”e pronto! Fim de papo. Exceção para o sensível artigo de Xexeo ao citar ao mesmo tempo nossa pressa de revolução e o papel sereno do cardeal nos encontros e acolhimento a perseguidos que ele operava na inspiração maior da compaixão.
Um comentário:
Clovis, quero deixar aqui mais uma vez meu elogio quanto a maneira tão bela que descreveu este momento, que para nós católicos deixa uma imensa saudade desde quando eramos jovens deste grande homem e o que ele significou para o nosso Brasil e para a igreja.
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