sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Paixão

artigo

Maria Helena


"Há políticos que se os eleitores fossem canibais, lhes prometeriam missionários para o jantar"

(H. L. Mencken,1880/1956)

Não consigo explicar de outra maneira o que se passa em nosso Brasil atualmente. É um típico caso de paixão. Sentimento que não tem nada a ver com idade, instrução, gênero, nada disso. Qualquer um de nós pode ser acometido de uma grande paixão.

As paixões individuais, de uma pessoa por outra, são complicadas. Podem resultar em um amor tranqüilo que leve à felicidade, como em grandes tragédias que levem a um sofrimento terrível. Mas é problema da cada um.

As coletivas, não, essas são sempre perigosas. Levam à cegueira e à surdez do povo que só ouve e só vê o que quer ver e ouvir. Não têm jamais o desfecho amoroso da paixão individual porque a multidão é mais volátil que o formato das nuvens e isso o objeto da paixão coletiva sempre ignora. Até que...

Tivemos um exemplo há poucos dias. Uma senhora em Alagoas declarou, sem pseudônimo, sem se esconder nos biombos da Internet, de viva voz, a respeito do candidato a governador de seu estado, o senador F. Collor: “Mesmo roubando eu voto nele”.

Se isso não é paixão, é o que?

Como ela, são milhares. Não há outra explicação.

O Lula despertou no povo brasileiro uma paixão assustadora. Temo ficar sabendo um dia que ao ouvir seu nome, o povo se ajoelhou.

Quero deixar bem claro que o que vou elencar aqui não é culpa do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Vem de longe, mas nunca foi resolvido por ninguém e então o que era ruim foi ficando cada vez pior e hoje está insuportável.

Saúde. Em todo o Brasil, as queixas são as mesmas. Os hospitais federais estão à míngua. Até os das FFAA. Nos EUA, o presidente e o vice-presidente, desde priscas eras, fazem check-up ou são internados, quando necessário, no Walter Reed, hospital central do Exército Americano, localizado em Washington, DC.

Aqui, vão para hospitais particulares e caros. Pior, saem rapidinho da capital do país. De jatinho e, se pudessem, até voavam, mas na capital federal é que não ficam. Com razão. Se eu tivesse o dinheiro deles, também saía correndo. A não ser que fosse caso para o Hospital Sarah Kubitschek, que também não é elástico!

Esgoto. Domicílios com coleta de esgoto no país em 2008: 52,48%. Com abastecimento de água, também em 2008: 82,31%. Quantidade de internações/dia por doenças sanitárias: em 1998, foram 1.932; em 2009, 2.086.

As 81 maiores cidades do país têm 72 milhões de habitantes. Essa população gera diariamente 9,3 bilhões de litros de esgoto, dos quais 5,9 bilhões de litros não têm qualquer tratamento (dados copiados de O Globo, 19/08/2010, que cita as fontes oficiais).

Educação. A França faz um exame anual, o famoso “bachot” (gíria para baccalauréat, o exame de acesso à universidade ou a cursos técnicos ao fim do curso secundário) desde os tempos de Napoleão, quando foi criado. Já passou por várias transformações, mas não creio que tenha sido vazado como nosso ENEM! Se nós não temos condições de manter em sigilo as questões de um exame dessa natureza... francamente, estamos abaixo da crítica.

Transportes. De mal a pior. O transporte urbano é caro, sujo, velho, literalmente caindo aos pedaços, é um serviço de quinta categoria. Os metrôs têm poucas linhas e não atendem à população das cidades. O automóvel comanda o show e as cidades grandes, como SP e Rio, estão a ponto de qualquer dia pararem.

O interestadual chega a ser cômico: para começar, em um país do tamanho do nosso, dispensaram os trens! Em vez de ferrovias, rodovias. Em vez de trens, carros e ônibus. E de uns tempos para cá, o avião. Barato. Mas assim como esqueceram que carros demandam estradas de rodagem em bom estado de manutenção, esqueceram que aviões demandam bons aeroportos, funcionais e seguros.

Segurança. Enquanto não cuidarem de nossas fronteiras, enquanto não houver dinheiro para equipar nossas FFAA, é melhor esquecer o item segurança. Não dormiremos tranqüilos nem tão cedo.

Eu disse no início e repito. Esse estado de coisas vem de longe. O mal é que os governos que vêm se sucedendo não cuidaram de melhorar o que necessitava de melhoras urgentes.

Ao ouvir os discursos e os programas das campanhas, foi tudo feito e cuidado, o país está pronto. Foi descoberto em 2003 e em quase 8 anos, foi erguida esta pujante nação.

Da mesma forma que isso não é bem assim porque antes de 2003 já havia o Brasil que está aí, o que houve é que nestes últimos 8 anos ficaram na maquilagem e querem que acreditemos que está tudo maravilhoso. E a paixão faz com que o povo acredite e bote fé.

E depois nos espantamos quando os jovens de 16 anos não querem tirar o título? Dizem logo: « para que »? Em primeiro lugar, estão apaixonados por uma gata ou um gato e não têm tempo para outras paixões. E em segundo lugar, faz pouco que deixaram de acreditar em Papai Noel e ainda não estão prontos para o que disse Pierre Desproges, cômico francês: “O adulto não acredita em Papai Noel. Ele vota.

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