Na tal reunião com investidores, em que flertou com a recriação da CPMF — embora tenha havido depois um esforço para negar o inegável —, Paulo Guedes também tratou de outro tema. Que Posto Ipiranga que nada! O doutor é uma verdadeira loja de conveniências de sandices. A outra ideia fabulosa é cassar dos deputados e senadores o direito ao voto. Ou por outra: Guedes quer fechar o Congresso e não pretende nem usar tanques para fazê-lo.
Como a coisa se daria? Assim.
Matérias votadas no Congresso não mais seguiriam as regras conhecidas. Os projetos de lei são aprovados por maioria desde que presentes metade mais um dos parlamentares (Art. 47 da Constituição). Já os projetos de lei complementar requerem aprovação de metade mais um dos membros de cada casa (Art. 69) — 257 deputados e 41 senadores. O mesmo se dá com a derrubada de vetos presidenciais (Parágrafo 4º do Artigo 66). As emendas constitucionais precisam do assentimento de três quintos, com duas votações em cada Casa (Parágrafo 2º do Artigo 60) — na Câmara, 308 votos; no Senado, 49.
Se depender de Guedes, agora convertido em reformador unipessoal da Constituição, isso tudo acaba.
Ele vendeu aos investidores um novo modelo de funcionamento do Congresso que não existe em lugar nenhum. É de deixar o chavismo no chinelo. E, creiam, pode seduzir os tontos.
A coisa constituiria no seguinte: ao se apreciar uma matéria na Câmara ou no Senado, haveria o voto de bancada, partidário.
Como funcionaria? Se metade mais um dos membros da bancada de um partido aprovassem uma matéria, considerar-se-ia que todo o partido votou a favor. Entenderam?
Listei acima quatro Artigos da Constituição que tratam de quórum para votação e do número necessário para aprovar determinadas matérias. São apenas alguns. Há outros para situações distintas.
Então vamos ver:
1: Bolsonaro lançou a ideia de elevar de 11 para 21 os membros do Supremo;
2: Hamílton Mourão, seu vice, quer uma nova Constituição, elaborada por notáveis, sem a participação do Congresso;
3: Paulo Guedes pretende cassar o direito de voto de parlamentares e senadores. Assim, bastaria cooptar as burocracias partidárias, e o resto estaria no papo.
“Ah, Reinaldo, mas esses artigos não poderiam ser mudados para se adaptar à ideia bolivariana do doutor Guedes?” Bem, como estamos falando de dispositivos constitucionais, seriam necessários três quintos dos deputados (308) e senadores (49). Ainda assim, se o Congresso resolvesse cortar os próprios braços, a cassação do direito de voto de parlamentares seria certamente barrada no Supremo porque se trataria de uma agressão frontal ao princípio da representação.
Guedes deu a entender que já debateu o assunto com Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Este teria dado uma piscadela para a coisa, o que o deputado nega. Em tempo: convém não confundir a sandice do doutor com fechamento de questão. Partidos podem decidir “votar em bloco” um determinado tema, mas o parlamentar obedece se quiser. Pode sofrer sanções partidárias. Mas o voto, como lhe assegura a Constituição, é livre.
Indagado a respeito, o valente guru tentou explicar: esse “modelo” que ele inventou valeria apenas para a votação de matérias econômicas e administrativas…
Ah, agora entendi. Guedes sabe como salvar o Brasil. Ele só não pode ter um Congresso que o atrapalhe. Se a democracia estiver no meio do caminho, aí a coisa começa a se complicar. A sua “ideia” consegue ser mais autoritária do que a do general Mourão.
É tragicômico. Bolsonaro ainda não foi eleito, mas ele e a turma que o cercam deixam claro que, com democracia, não dá pé. Ora, por que os presidentes desde a redemocratização a esta data não pensaram nisso antes, não é mesmo?
É essa gente que os tais “mercados” gostariam de ver chegar ao poder… Bolsonaro também lidera entre as pessoas com curso universitário e os mais endinheirados. É onde o ódio à política e aos políticos se entrincheirou de modo mais agressivo, virulento mesmo. Boa parte dessas pessoas não teria receio de defender o fechamento do Congresso.
E há candidatos a pensadores dessa suposta “nova ordem” a afirmar que estaríamos diante do despertar do povo…
Por Reinaldo Azevedo
Um comentário:
Campanha articulada. Desonesta. Pena.
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