terça-feira, 25 de setembro de 2018

Elenão



Chegou bufão raivoso, dedos apontados em posição de tiro, para ninguém duvidar que veio no papel de pitbull, criado em cativeiro de caserna. Até na coleira mete medo.

Assim do nada, Elenão entrou na roda e foi despejando. O nome no aumentativo não é porque seja grande, mas porque é bruto. Sem H porque H é coisa de homo, que ele divide em viado (assim como i mesmo) e sapatão.

Diz que entre amigos, mais à vontade, simplifica para invertidos, palavra que reúne todas as variáveis da categoria homo.

Deixa claro, pudesse, desenvertia todos na surra. Se o coro não resolvesse, metia bala que é como macho decide as coisas. Isso aprendeu pequeno e segue ensinando aos menininhos de cinco anos – idade ideal para aprender a apontar e atirar no alvo certo: gente.

Direitos humanos? A vá! Coisa de comunista safado, elemento desajustado, criado por mãe e avó.

Pela prosa, parece, o Elenão não teve – ou tem – nem uma nem outra dessas (11,6 milhões de mulheres) que chefiam famílias no Brasil. Foi criado só por machos: pai e avô. Supõem os ouvintes.

Alguém lembra, vez por outra, papai e vovô podem ser exemplares dos tais que fazem filhos e largam pra mãe criar. Ou dos negros e pobres que, Brasil afora, morrem nas balas certeiras de tropas leais ao Elenão e deixam órfãos no colo de mamãe e vovó.

Elenão se irrita. Rosna. Ele é macho alfa. Raiz. Espada. Explica que mesmo filha mulher só fez quando fraquejou. Coisa que acontece até em famílias normais – mãe mulher, pai homem, justifica pra roda.

Quando usou duas casas, uma delas ficava reservada para “comer gente”. Elegância não é o forte do varonil que ali faz foco nas fêmeas. Odeia feministas. Que fique claro. Sonha mesmo é devolvê-las todas ao lar, sob o comando de um chefe, macho. De preferência, sem salário. Ou, se for inevitável, que seja obrigatoriamente menor do que dos homens.

As mulheres feias, reitera pra não deixar dúvidas, não merecem nem estrupo. Jornalistas são imbecis.

Elenão é adepto do game pesado, sangrento. É da sua natureza, explica.

Tem saudades da ditadura e dos seus torturadores. Lamenta não terem finalizado o “sirviço” – acabar com a corja esquerdista. Deram mole. Sonha fazer do Brasil um grande quartel. Linha dura. Só de diabos – com ou sem chifres.

Tudo posto, cola na mão, Elenão alivia. Propõe brincadeira de advinha. De que game ele saiu?

Do clássico Carmageddon? Dead Space? Sniper Elite 3? Mortal Combat? GTA? Manhunt? Splatterhouse? Varre, varre, vassourinha? Caçador de Marajás?

Sem ouvir resposta, faz mira com os indicadores e sai da roda. Vai procurar sua turma. No game.

Qual game?

Tânia Fusco é jornalista, mineira, observadora, curiosa, risonha e palpiteira, mãe de três filhos, avó de três netos. Vive em Brasília. Às terças escreve sobre comportamentos e coisinhas do cotidiano – relevantes ou nem tanto

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