Um dia, dois Bolsonaros: o firme (à esq.) e o alquebrado. O primeiro faz graça; o segundo agride fundamentos da democracia |
Jair Bolsonaro fez neste domingo duas intervenções voltadas ao público, tendo o hospital Albert Einstein como palanque. Na primeira, gravada, parece bem. Na segunda, via-se um paciente alquebrado. Na primeira, chega a fazer graça com um dos médicos. Na segunda, diz uma coisa muito grave, de desdobramentos incertos.
No vídeo gravado, nós o vemos levantar-se com razoável destreza para as circunstâncias e caminhar com a ajuda de um andador. Está de bom humor, a fala é bastante firme e faz uma brincadeira com “Macedo”, o médico, com quem diz que vai cavalgar em breve. Refere-se ao cirurgião Antônio Luiz Macedo. Ali estava o “mito” a superar todas as dificuldades e, como diria Camões, “da lei da morte se libertando”. Tomara que assim seja. Por ele. Por sua família. Pelo país. Ninguém precisava de um desfecho trágico. O que se deu já foi absurdo o bastante.
E houve um segundo Bolsonaro, este numa “live” de 20 minutos. Em nada lembrava o primeiro: nos segundos iniciais, parece estar aéreo, só despertando do torpor depois de algumas leves cutucadas, como que saindo de uma semi-inconsciência. Entre os médicos, consta, ele tem muitos admiradores. Certamente os doutores terão uma explicação científica para os dois Bolsonaros: o de fala firme e clara, embora pudesse estar mais cansado porque de pé, e o outro, quase a engrolar palavras, embora em absoluto repouso. Prefiro pensar que o primeiro reflete o seu real estado de saúde e, reitero, torço por isso. O segundo, embora parecesse inicialmente distante, engata depois um discurso com começo, meio e fim; citando nomes, fatos, datas etc.
Bolsonaro usou a sua condição de convalescente, com a saúde ainda frágil, para atacar o PT. Se os médicos e o hospital o autorizam a fazer política, quem poderá impedi-lo? Segundo diz, o petista Fernando Haddad, se eleito, pretende indultar Lula e fazê-lo chefe da Casa Civil. Já tratei do assunto aqui. Do ponto de vista jurídico, é uma impossibilidade. Mas, com efeito, há petistas que debatem esse assunto, e o candidato do PSL tem o direito de explorar as asneiras que dizem seus adversários. Está fazendo política.
Investe também numa tese um tanto exótica. A prova de que esse seria o plano do PT estaria no fato de Lula não ter fugido. Vejam que curioso: como Lula não fugiu no passado, o PT, então, conta em vencer a eleição no futuro para libertá-lo. Assim, o que pode vir depois se tornaria causa do que veio antes. Ou de outro modo: qual é a causa de Lula não ter fugido em 2016? A vitória do PT em 2018. Bolsonaro não fez tal raciocínio porque estivesse grogue. Até porque não estava. De memória, eu entendo na pratica, não como especialista. E a dele estava ótima. Fazia política. E é um direito seu.
Mas há algo que Bolsonaro não pode e não deve fazer. Ele disse com todas as letras que só será derrotado se houver fraude. Pôs sob suspeição, e o vídeo é claro, o TSE, o STF e a Procuradoria-Geral da República. Foi mais longe: não apenas a eleição presidencial estaria sob a égide de fraude sem o voto impresso, mas também a dos membros do Parlamento. Segundo o candidato do PSL, se Haddad ganhar, “acabou a democracia no Brasil”. E se dirigiu diretamente aos militares:
“Meus amigos das Forças Armadas, quem será o ministro da Defesa de vocês? Ou o nosso, né? Eu sei que tenho a consideração e o apoio de grande parte de vocês, não como instituição — Marinha, Exército e Aeronáutica —, mas como amigos e cidadãos que vocês são e, mais do que o direito, né?, têm o dever de votar”.
A sugestão de uma intervenção militar caso as urnas não digam o que Bolsonaro quer que digam fica evidente para bom entendedor.
Também os institutos de pesquisa estariam mancomunados com o complô. Estariam apontando que ele perde para todos os seus adversários no segundo turno. Não é verdade. Ibope e Datafolha apontam empate técnico — no caso deste segundo instituo, só a simulação contra Ciro Gomes aponta a derrota do candidato do PSL se a eleição fosse hoje.
O candidato também se dirige aos jornalistas, afirmando que o PT pretende impor o controle social da mídia. Com efeito, o partido não tem uma relação harmoniosa com a imprensa há muito tempo — desde que chegou ao poder, em 2003. E buscou mecanismos para controlá-la. Mas venham cá: o candidato e seus seguidores são bons exemplos de pessoas que respeitam o trabalho dos jornalistas? Nas redes sociais, os fanáticos do bolsonarismo só não chamam de santos aqueles que consideram seus “inimigos”. O resto vale.
Bolsonaro que diga o diabo sobre o PT, e o partido que responda como achar melhor. É da política. Mas é inaceitável que diga que qualquer outro resultado que não a sua vitória constituirá fraude. Venham cá: caso ele vença, mesmo sem voto impresso, será, então, um sinal de que o aparato supostamente montado para fraudar a eleição terá falhado? Ou terá havido fraude em favor de Bolsonaro?
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