segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Petistas podem até comemorar “live” absurda de Bolsonaro. Afinal, aquele que lidera está reconhecendo o adversário.


Harvey Keitel e Keith Carradine no filme “Os Duelistas”, de Ridley Scott

Os petistas podem comemorar, ainda que com certa prudência, a “live” absurda do deputado Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência, que foi ao ar neste domingo. No trecho mais perigoso, ele deixa claro que só um resultado é aceitável nas eleições presidenciais deste ano: a sua vitória. Ou é assim, ou, então, se estará diante de uma fraude. E a suposta fraude, segundo o deputado, seria comandada pelo PT, que estaria articulando, com manipulação das urnas eletrônicas, a vitória de Fernando Haddad para que este concedesse, depois, o indulto a Lula, que passaria a ser chefe da Casa Civil.

A tese do indulto não para de pé, embora as alas mais ensandecidas do petismo, com efeito, a defendam. Não há caminho legal para isso. As razões são conhecidas: presidente não indulta uma pessoa em particular. Os decretos trazem um critério sem alvo nominado. Mais: o Supremo decidiu que é a última palavra nessa matéria. Trata-se de uma agressão à Constituição, já que conceder tal benefício é uma prerrogativa presidencial. E daí? O tribunal estabeleceu critérios para o indulto de Natal do ano passado distintos daqueles que estavam no decreto de Michel Temer. Os condenados por corrupção, por exemplo, não podem ser indultados. É o caso de Lula.

Outro detalhe: ainda que Haddad, se eleito, decidisse livrar a cara de Lula no caso do apartamento de Guarujá, o ex-presidente é réu em outros processos. Mas e daí? Bolsonaro está voltando suas baterias contra aquele que considera lhe render ainda mais votos: o PT. O resumo da tese autoritária do candidato do PSL é este: “Ou eu ganho, ou a eleição não vale”.

O PT não está preocupado agora com Bolsonaro. Dada a lógica das coisas, o que o capitão reformado faz é reivindicar o monopólio do antilulismo e do antipetismo. Um petista até ironizou: “A gente ainda encontra dificuldade em muitos lugares para dizer que ‘Lula é Haddad’; nesse sentido, Bolsonaro até nos presta um favor anunciando a proximidade dos dois”. A fala também seria o reconhecimento implícito de que o novo candidato petista está em crescimento. Bem, está mesmo.

Ao voltar a sua artilharia contra o PT, Bolsonaro decide escolher o adversário. Gente do seu entorno considera ser mais fácil vencer o petismo num eventual segundo turno do que um Geraldo Alckmin ou um Ciro Gomes. No primeiro caso, especula-se por lá, a “mídia” cerraria fileira com o tucano, que passaria a ser visto como sinônimo de estabilidade. No caso de Ciro, o embate seria mais difícil porque ele não tem de responder pelas múltiplas acusações de corrupção que pesam contra o PT. É, ademais, um crítico feroz do governo em curso. De fato, nas pesquisas recentes, Ciro é quem se sai melhor num eventual enfrentamento com Bolsonaro.

O alvo do capitão reformado, com sua “live”, nem foi o propriamente o PT. O que ele fez, na prática, foi ignorar os outros postulantes, dando de barato que vai enfrentar os companheiros no segundo turno. Quer ver se consegue imprimir desde já um ritmo de segundo turno ao primeiro. Reivindicou, na verdade, uma espécie de monopólio do antipetismo.

O PT, igualmente, sempre deixou claro que prefere um embate com Bolsonaro porque, avalia, é o opositor que desperta rejeição maior e porque, nesse caso, é possível ressuscitar a velha batalha do “nós” contra “eles”.

É claro que se trata de uma estratégia arriscada para os dois litigantes. Note-se que Bolsonaro resiste e cresce — a facada tem um papel importante nessa história — porque arrebanhou um exército de seguidores por intermédio das redes sociais. Não dispõe de tempo no rádio e na TV, e sua estrutura de campanha vive do improviso voluntarioso das pessoas que são de sua confiança, com destaque para os filhos. A adesão em massa à sua postulação nem está ancorada em seus dotes intelectuais ou em alguma notória competência pregressa. Há um forte componente de crença, às vezes fanática, em seu suposto dom natural para resolver problemas — o que, note-se, nunca foi testado pela realidade. O PT pode estar subestimando este, digamos, espírito do tempo.

Da mesma sorte, ao escolher o PT como seu adversário na disputa final, Bolsonaro está apostando que a imensa máquina do partido, com tentáculos em sindicatos, movimentos sociais e organizações não-governamentais, é menos perigosa do que um oponente que contasse com “o apoio da mídia”. Acredita que a repulsa à corrupção de amplas camadas da população brasileira acabará neutralizando esse enraizamento do petismo… O tiro pode sair pela culatra? Até pode.

Observem que a fortaleza de campanha de Bolsonaro está nas redes sociais. E, nesse território, o PT é mais presente do que os outros adversários do postulante do PSL. Mais: o militar reformado tem como pontos fracos, por enquanto, as mulheres e os mais pobres, territórios em que a militância petista foi e é ainda muito presente. O que quero dizer com isso? O PT tem mais estrutura para reagir a ataques e para contra-atacar.

É pouco provável que Haddad responda à provocação de Bolsonaro agora, embora certamente vá ter de responder questões sobre o tal indulto. Por enquanto, o petista está na fase de se grudar em Lula para lhe herdar os votos e pode se dar ao luxo de considerar que o oponente do PSL virou um problema para os postulantes de centro e de direita. É compreensível. Mas é preciso notar que o militar reformado está em ascensão. Se a tal “live” traz, para o petismo, o benefício de dar como certo que o embate final será entre as duas forças, cumpre atentar para o risco de o oponente se distanciar muito na corrida.

Por Reinaldo Azevedo

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