sábado, 15 de julho de 2017

‘Anos rebeldes’ fez sucesso na TV ao retratar luta contra a ditadura militar


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Cássio Gabus Mendes e Malu Mader

“A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”. A frase de Oscar Wilde, para alguns, pode explicar o sucesso da minissérie “Anos rebeldes”, escrita por Gilberto Braga com a colaboração de Sérgio Marques. Ela estreou na TV Globo no dia 14 de julho de 1992, período em que o Brasil vivia dias conturbados, com o então presidente Fernando Collor acuado por denúncias de corrupção envolvendo seu governo, feitas inclusive pelo irmão Pedro Collor.

Em agosto do mesmo ano, a população foi às ruas para pedir o impeachment do chefe de governo. Com cada vez mais adeptos, os protestos tiveram grande participação da juventude, que pintou no rosto frases como “Fora, Collor” e “Impeachment já”. Era o movimento dos “caras-pintadas”. Na opinião do jornalista Fernando Gabeira, a exibição de “Anos rebeldes” teve papel relevante na mobilização das pessoas contrárias ao mandato vigente:

— Só que dessa vez o movimento é mais amplo. Em 1968, só os estudantes participavam. Agora, está todo mundo aqui, os trabalhadores, inclusive, e vai ser mais fácil conquistar o que queremos — declarou Gabeira, na época.

Exibida até 14 de agosto de 1992, em 20 capítulos, a minissérie se inspirou nos livros “1968: o ano que não terminou” (1988), de Zuenir Ventura, e “Os carbonários” (1980), de Alfredo Sirkis. Enquanto a obra de Zuenir retrata, em estilo jornalístico, os fatos que marcariam o agitado ano de 1968 no Brasil, o texto de Sirkis narra um período de 43 meses, entre outubro de 1967 e maio de 1971, abordando o panorama político e social do país.

“Anos rebeldes” tem como cenário a cidade do Rio de Janeiro, e a trama gira em torno da trajetória de um grupo de amigos formandos do Colégio Pedro II, com destaque para o casal formado pela individualista Maria Lúcia e o idealista João Alfredo, personagens de Malu Mader e Cássio Gabus Mendes. O seriado acompanhará a vida dos personagens entre 1964, ano do golpe militar, que derrubou o presidente João Goulart e teve como consequência a instalação da ditadura, e 1985, quando se iniciou a transição para um governo democrático. O primeiro capítulo emocionou especialmente aqueles que viveram de perto a efervescência política e cultural dos anos 60, pois os autores usaram histórias reais entre as fontes de informação, adaptando as situações ao enredo.

Grande parte dos atores presentes na minissérie teve alguma militância política durante a ditadura, entre eles Gianfrancesco Guarnieri, Franciso Milani, Stepan Nercessian e Bete Mendes. Na história, Guarnieri foi o Dr. Salviano, um comunista militante; Milani interpretou Camargo, um funcionário dos órgãos de repressão; Nercessian viveu Caramuru, um motorista particular capaz de dar a vida pelos amigos; e Bete fez o papel de Carmen, mãe da protagonista Maria Lúcia. Cláudia Abreu, por sua vez, abriu mão do papel de protagonista em uma novela para viver, com brilhantismo, a personagem Heloísa, especialmente escrita para ela por Gilberto Braga. “Anos rebeldes” também marca a estreia da modelo Betty Lago na televisão.

No dia 18 de julho de 1992, O GLOBO noticiou que, na ocasião, o Exército brasileiro estava criticando a minissérie “Anos rebeldes”. A Força divulgou um editorial, intitulado “A história que não foi contada”, que seria publicado no "Noticiário do Exército" do dia 27 de julho. O artigo comenta os acontecimentos que provocaram o golpe militar de 1964, que derrubou Jango. Embora não houvesse qualquer referência direta a “Anos rebeldes”, dois oficiais do Centro de Comunicação Social de Exército — que pediram para não ser identificados — afirmaram que o texto foi motivado pela exibição do seriado. O editorial afirma que “é dever do historiador retratar com fidelidade os episódios como efetivamente ocorreram, abstendo-se de emoções e radicalismos que terminam por distorcê-los” e que “momentos de um passado recente que tiveram sua origem na Revolução Democrática de 1964 vêm sendo reescritos segundo uma ótica deturpada, porquanto tendenciosa”.

As críticas feitas pelo Exército não provocaram mudanças no roteiro. Gilberto Braga e Sérgio Marques preferiram não polemizar, argumentando que a obra continha personagens que representavam todas as correntes existentes no período. A obra já havia sofrido alterações antes mesmo de sua estreia, do capítulo 11 ao 14, por determinação do diretor de Operações da Rede Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni), sob a alegação de que a obra estava ganhando um forte tom político, em detrimento do romance entre os protagonistas.

A trilha sonora merece destaque, pois, assim como havia ocorrido com a minissérie “Anos dourados”, o próprio autor selecionou o repertório, contando com a colaboração do diretor-geral, Dennis Carvalho, e do diretor Musical da Rede Globo, Mariozinho Rocha. Durante a montagem, Gilberto Braga declarou que a intenção era, através da música, retratar a época. Para tanto, escolheu “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso, como tema de abertura. Composta em 1967, a música foi um dos marcos iniciais do movimento tropicalista, e seus versos cantavam a liberdade e denunciavam as mazelas do país pelo uso de metáforas, para burlar a censura instaurada pelo regime militar. A seleção ainda teve canções como “Soy loco por ti, América”, escrita por Gilberto Gil e Capinam, “Baby”, gravada por Gal Costa e Caetano Veloso, “Discussão”, composta por Tom Jobim e Newton Mendonça, e outros sucessos da época.

“Anos rebeldes” também ganhou uma versão em livro, publicada em 29 de julho de 1992, quando ainda era exibida na TV. Lançado pela Editora Globo, a adaptação ficou a cargo do escritor Flávio de Campos. Em 2003, 11 anos após sua estréia, foi lançada em DVD. A minissérie já foi reapresentada em 1995, 2013 e 2017. Curiosamente, na segunda reprise, o país passava por novos momentos de alvoroço político, com protestos em várias partes do país. A pauta era ampla, variando de críticas ao preço das passagens de ônibus às atuações do Congresso Nacional e do governo federal.

Em 2017, em meio a denúncias de corrupção atingindo vários atores políticos, “Anos rebeldes” entrou para o Globo Play, plataforma online de vídeos sob demanda da Rede Globo, que permite acesso ao conteúdo oficial da emissora.

* com edição de Gustavo Villela, editor do Acervo O GLOBO

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