Estudantes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro ocuparam dependências da reitoria na noite de quarta-feira, dia 13. Protestam contra as péssimas condições da instituição.
Uma excelente reportagem do Globo explica por que a esperança, nesse caso, pode ser vã.
O tanque de remo para instrução está assim, |
O parque aquático, fechado há quase um ano, está assim. |
O laboratório do Departamento de Tecnologia de Alimentos, do Instituo de Tecnologia, está inundado. |
Salas de aula estão com infiltrações, e alunos e professores convivem com o mofo, que é mais do que metáfora… |
O parque aquático da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em Seropédica, tem quatro piscinas, mas os alunos do sexto período do curso de educação física têm aulas práticas de natação sem cair na água. Não se trata de um método de ensino inovador, mas de uma tentativa vã — e indignada — de compensar os prejuízos causados pelo fechamento do parque, que aconteceu há quase um ano. “O professor se deita na mesa para nos ensinar a remada”, conta a paulista Isabela Damasceno Cruz, de 20 anos, que se diz frustrada com os problemas da UFRRJ.
Antes, segundo ela, as aulas práticas eram ministradas num clube nas proximidades, mas, por inadequação da piscina e falta de transporte para levar os estudantes, o ensino agora fica só na teoria. Uma caminhada de quatro horas pelo segundo maior campus universitário da América Latina, na última quarta-feira, permite constatar um cenário de abandono. A universidade é centenária e funcionava em outro local. O atual campus começou a ser usado em 1948. Nossa equipe visitou a área após um grupo de alunos enviar um dossiê relatando uma série de problemas para a seção “Eu Estudante”, da página de Educação do site do GLOBO.
No parque aquático, as piscinas têm águas sujas e azulejos quebrados, e um tanque para prática de remo está tomado por lixo. A precariedade também está presente no Instituto de Tecnologia: o laboratório do Departamento de Tecnologia de Alimentos está inundado. Além de privar os alunos de usar um recurso importante, o alagamento sistemático do local também expõe a comunidade a riscos, já que há ali produtos nocivos à saúde que podem contaminar o lençol freático.
Outro laboratório, o de Informática Aplicada à Arquitetura, também está de portas fechadas. O problema ali são rachaduras que cortam o teto, as paredes e o chão. Coordenador do curso de arquitetura, o professor Carlos Eduardo da Silva Costa lamenta: “É inaceitável um curso sem laboratório de informática, mas não podemos ter aulas aqui enquanto isso não for resolvido.”
Dentro dos prédios, o risco é visível também nas instalações elétricas, onde o improviso é recorrente. Aluno do sexto período do curso de relações internacionais, Lincoln Leão, de 21 anos, não quer nem pensar nos estragos que um incêndio causaria. “Não temos brigada de incêndio. E, para piorar a situação, Seropédica não tem Corpo de Bombeiros”, observa ele, que faz parte do grupo de estudantes que ocupa a reitoria desde 13 de março.
Iluminação ruim é outra dificuldade
Fora dos institutos, a insegurança também é grande. Estudantes e professores reclamam de assaltos ocorridos até mesmo à luz do dia. Aluno de engenharia química, Blayley Idegard, de 28 anos, estava sentado na porta de um imóvel hoje usado como alojamento, entretido com seu computador portátil, quando foi abordado por dois homens numa moto. “Um deles me chamou de vagabundo e apontou a arma para a minha cabeça. Para mim, foi uma surpresa ser assaltado dentro da universidade”, conta ele, que veio do interior do Pará.
Se durante o dia há riscos, à noite o quadro é mais complicado, pois há vários pontos do campus onde a iluminação é precária. Esther Saraiva, de 22 anos, aluna do quarto período de química, conta que esperava o ônibus quando dois homens chegaram numa moto e levaram sua mochila: “Perdi tudo: material de estudo, dinheiro”.
Na hora em que a fome aperta, a situação no campus é igualmente desconfortável. A fila diante do restaurante universitário assusta. Sem cobertura, os alunos ficam debaixo de sol ou chuva. Um anexo foi construído, mas os funcionários da unidade, que são terceirizados, pararam de trabalhar por causa de problemas salariais .
A estudante Esther Saraiva, de 22 anos, também não gosta da comida, mas bate o ponto no local porque, apesar de morar no alojamento, não tem fogão no quarto. “Moro no antigo hotel dos professores. Invadimos há um ano, por falta de vaga no dormitório feminino. Lá também não é adequado. Faltam água e luz.
Grupo faz diagnóstico
Coordenador do Plano Diretor Participativo da UFRRJ, o professor Humberto Kzure confirma os problemas enumerados no dossiê produzido por alunos. Ele diz categórico: “Uma palavra que resume a situação hoje da UFRRJ é insalubridade”. Há dois anos, ele iniciou um diagnóstico da situação no campus, com a participação de professores, estudantes estagiários e técnicos administrativos. Um calhamaço de cerca de mil páginas, com fotos anexadas, mostra que a lista de problemas é extensa. “São questões que vêm se acumulando ao longo do tempo. Há problemas na qualidade dos laboratórios, no descarte de resíduos químicos, biológicos, sólidos. E os alojamentos não são adequados”.
Ainda que o pavilhão central da UFRRJ, onde fica a reitoria, esteja em condições muito superiores às demais unidades do campus, Humberto Kzure observa que há problemas na manutenção dos imóveis tombados, como a instalação irregular de aparelhos de ar-condicionado.
Eleita nova reitora, mas ainda não empossada, a professora Ana Maria Dantas Soares acha que, apesar das inúmeras falhas detectadas, a universidade “está indo bem”. “Não deixamos de reconhecer os problemas. Estamos tentando resolvê-los. Foram décadas de descaso com o ensino público”, diz ela, que está na UFRRJ há 34 anos, tendo ocupado o cargo de vice-reitora nas últimas duas gestões.
Ana Maria atribui algumas limitações ao Reuni, programa criado pelo governo federal em 2007 para ampliar o acesso ao ensino superior, por meio de aumento de vagas e de cursos, inovações pedagógicas e combate à evasão. “O problema, na verdade, não é o Reuni, mas a forma como ele foi adotado. Se tivéssemos tido a oportunidade de construir prédios, criar os cursos e só depois virem os alunos, tudo bem. Mas não foi assim, pois era um projeto de governo, não de Estado”, observa, referindo-se à pressa na implantação do programa.
Dados da execução orçamentária da UFRRJ, publicados na página do Ministério da Educação, revelam que o valor pago pelo governo à instituição aumentou quase 24 vezes entre 2005 e 2012: saltou de R$ 14,8 milhões para R$ 347 milhões. Sobre o incremento significativo, a direção da universidade informa que há erro no valor registrado no site em relação a 2005: o repasse teria sido, na verdade, de R$ 140 milhões. O MEC, porém, garante que os dados estão corretos. Considerando apenas os valores relativos ao Reuni, o ministério repassou, de 2007 até o ano passado, cerca de R$ 120 milhões. Para este ano, devem ser pagos R$ 20 milhões.
Seja qual for a quantia, os alunos que ocupam a reitoria divulgaram ontem uma pauta de reivindicações e garantem que só liberam o gabinete após o compromisso da direção de que as solicitações serão atendidas. E ainda condicionam a saída à realização de uma auditoria externa pelo Ministério Público Federal e pelo Tribunal de Contas da União.
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