Não passa dia sem depararmos com manchete de escândalos. Tornou-se quase
banal a notícia de indiciamento de autoridades dos diversos escalões não só por
um crime, mas por vários, incluindo o de formação de quadrilha, como por último
consignado em denúncia do Procurador-Geral da República, Doutor Antônio Fernando
Barros e Silva de Souza.
A rotina de desfaçatez e indignidade parece não ter limites, levando os já
conformados cidadãos brasileiros a uma apatia cada vez mais surpreendente, como
se tudo fosse muito natural e devesse ser assim mesmo; como se todos os homens
públicos, nas mais diferentes épocas, fossem e tivessem sido igualmente
desonestos, numa mistura indistinta de escárnio e afronta, e o erro passado
justificasse os erros presentes.
A repulsa dos que sabem o valor do trabalho árduo se transformou em
indiferença e desdém. E seguimos como se nada estivesse acontecendo.
Perplexos, percebemos, na simples comparação entre o discurso oficial e as
notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou um país do faz-de-conta.
Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os
culpados nada sabiam ─ o que lhes daria uma carta de alforria prévia para
continuar agindo como se nada de mal houvessem feito.
Faz de conta que não foram usadas as mais descaradas falcatruas para desviar
milhões de reais, num prejuízo irreversível em país de tantos miseráveis.
Faz de conta que tais tipos de abusos não continuam se reproduzindo à plena
luz, num desafio cínico à supremacia da lei, cuja observação é tão necessária em
momentos conturbados.
Se, por um lado, tal conduta preocupa, porquanto é de analfabetos políticos
que se alimentam os autoritarismos, de outro surge insofismável a solidez das
instituições nacionais. O Brasil, de forma definitiva e consistente, decidiu
pelo Estado Democrático de Direito.
Não paira dúvida sobre a permanência do regime democrático. Inexiste, em
horizonte próximo ou remoto, a possibilidade de retrocesso ou desordem
institucional. De maneira adulta, confrontamo-nos com uma crise ética sem
precedentes e dela haveremos de sair melhores e mais fortes.
Em Medicina, “crise” traduz o momento que define a evolução da doença para a
cura ou para a morte. Que saiamos dessa com invencíveis anticorpos contra a
corrupção, principalmente a dos valores morais, sem a qual nenhuma outra
subsiste.
Trecho do discurso do ministro Marco Aurélio
Mello pronunciado em maio de 2006 ao assumir a presidência do
Tribunal Superior Eleitoral. Fazia um ano que fora deflagrado o escândalo do
mensalão. Leia a íntegra aqui
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