sábado, 5 de agosto de 2023

Quem fará história na CPI do MST? Sâmia, Talíria e Fernanda ou os velhacos?


Fernanda Melchionna (RS), Sâmia Bomfim (SP) e Talíria Petrone (RJ): as três deputadas do PSOL desafiam e enfrentam o espertáculo grotesco de misoginia, machismo, truculência, reacionarismo e burrice na CPI do MST

A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) foi alvo de mais uma cafajestagem protagonizada pelo deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), presidente da CPI dos Paleolíticos Ideológicos, também conhecida por CPI do MST. Ninguém quer investigar nada por ali, já destaquei muitas vezes. Trata-se apenas de armar um picadeiro nas cavernas do bom senso para uma exibição despudorada de reacionarismo, machismo, misoginia, primitivismo ideológico e rancor. O esgoto que levou o país à ruína social durante os quatro anos de mandato da "Anely de extrema-direita do PIX" escorre por ali a céu aberto.

A CPI colhia o depoimento de José Rainha Jr., líder da Frente Nacional de Lutas Campo Cidade (FNL). Independentemente do histórico do depoente, os discípulos do "Mandem-PIX" estão lá para demonizar os movimentos sociais e para fazer proselitismo fascistoide. Exibiu-se um vídeo em que Rainha pedia votos para Sâmia. E daí? O que isso tem a ver com a investigação? Ademais, Rainha atua no Pontal do Paranapanema, onde a deputada nasceu.

O presidente da CPI respondeu aos protestos de Sâmia com as seguintes palavras:
"Não, minha senhora, não! A senhora pode, também, daqui a pouco, tomar qualquer atitude, ficar mais calma. A senhora respeite. A senhora tá nervosa, deputada? Quer um remédio? Ou quer um hambúrguer?"

Ele próprio, depois, decidiu que sua fala deveria ser retirada das notas taquigráficas. Pois é... Eis um procedimento que acho discutível. Acredito que a obra daquele que precisa colar uma patente ao nome para tentar ganhar alguma musculatura moral deve ficar colada à sua biografia.

A baixaria se dá dois dias depois de Ricardo Salles (PL-SP), o relator, ter usado a CPI para tentar constranger o general Gonçalves Dias, acusando-o de ser um traidor do golpe de 64, que ele, Salles, considera, obviamente, uma revolução. E explicou por que o fazia: segundo esse fino pensador, o mesmo estado de coisas que os militares decidiram, então, "corrigir" há 59 anos estaria hoje em curso. Resta, assim, evidente que o deputado não estava apenas defendendo a quartelada do passado. Ele defendia uma no presente. A imunidade parlamentar não garante a ninguém a licença para defender golpe de estado.

O que pretende a CPI do MST? Quem vai redigir o relatório é Salles. Dada a sua performance, imagina-se o que vai encaminhar à Procuradoria Geral da República. Todos por ali sabem que aquela mixórdia antediluviana não vai dar em nada. O deputado paulista brigou pela posição, e chegou a admiti-lo em entrevista, porque estava interessado em ganhar visibilidade para confrontar Guilherme Boulos (PSOL-SP) na disputa pela Prefeitura de São Paulo. Chegou a anunciar que pretendia estender a investigação também ao MTST. Mas as coisas não saíram bem para ele. Valdemar Costa Neto deixou claro que o PL vai apoiar a tentativa de reeleição de Ricardo Nunes (MDB). O próprio Salles, note-se, costuma ser extremamente grosseiro com Sâmia e com as também deputadas Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Fernanda Melchionna (PSOL-RS).

Sâmia emitiu uma nota:
"Em vez de criminalizar o movimento como eles pretendiam, só têm acumulado episódios de abuso de autoridade e violência política de gênero. Por esse crime, aliás, ambos [Zucco e Salles] já respondem a inquérito na PGR e esse fato novo será somado aos autos".

E Zucco, aquele que pretende ter uma patente maior do que o nome, também se manifestou. E, acreditem, posando de vítima:
"Foram várias as oportunidades em que estas parlamentares fizeram ataques pessoais a mim, enquanto presidente, ao relator e aos membros do colegiado. E, frequentemente, fazem isso com os microfones desligados, mas alto o suficiente para ser testemunhado por todos os presentes e, em especial, pelo alvo de suas provocações. Mas para tudo há um limite. Usar a condição de saúde do meu irmão para me atingir é uma provocação baixa e sem escrúpulos. Reagi por impulso. Logo em seguida, me retratei e pedi a retirada da expressão das notas taquigráficas por entender que o respeito deve imperar em qualquer relação. Mas este mesmo respeito deve ser recíproco e universal."

Entendi, quando Zucco, o tenente coronel, se sente ofendido por uma mulher, ele a chama de louca e gorda, o que obviamente não faria com um homem.

Na própria CPI, Sâmia fez um pronunciamento exemplar, que transcrevo. É uma fala digna a cada linha. E deixa para a história a resposta adequada à velhacaria a que se assiste na comissão.

MISOGINIA
"As notícias que estampam os jornais de hoje sobre essa CPI são sobre o show de misoginia que aconteceu desde o início, não são sobre outra coisa. É sobre o show de misoginia, e não poderia ser diferente porque o povo brasileiro não concorda com isso, sobretudo as mulheres brasileiras. E é pra elas que eu quero começar falando: nunca calem a boca; nunca se intimidem; nunca baixem a cabeça para machista nenhum. Eu espero, Fernanda [Melchionna], Talíria [Petrone] e tantas outras, que o papel que nós estamos cumprindo aqui, além de político, seja pedagógico para milhares de mulheres brasileiras que acompanham a nossa CPI. Dizer também que eu sei muito bem por que fazem isso. Porque querem nos intimidar. Porque querem nos fazer retroceder."

LADO OPOSTO
"Mas eu quero dizer que eu tenho muito orgulho de estar do lado oposto ao dessa gente que tá aqui nessa CPI; de gente que passou os últimos quatro anos rindo de quem estava morrendo na UTI por Covid-19; de gente que é financiado pelo trabalho escravo; de gente que é financiada por grileiro, por madeireiro; de gente que tenta cometer um golpe de estado no nosso país. Eu tenho muito orgulho! E também tenho orgulho do papel que eu tou cumprindo nessa CPI, modéstia à parte. Eu tou muito consciente do papel que eu tou cumprindo aqui e vou até o fim."

ORGULHO DO ELEITORADO. E OS PROCESSADOS
"Também quero dizer que eu tenho muito orgulho de cada um dos votos que eu recebi nessa eleição. Porque nenhum foi com um centavo de Orçamento Secreto, ao contrário de uns e outros. Segundo, porque, ao contrário do presidente da CPI, do relator da CPI e de vários dos membros aqui, eu não respondo e nunca respondi a nenhum processo e a nenhum inquérito. E também porque eu tenho orgulho de cada assentado, acampado, trabalhador, feminista, lésbica, gay, travesti e transexual desse país que votou em mim porque foi voto consciente, um voto ideológico. E também porque foi um voto consciente de que era necessário, além de derrotar Bolsonaro, construir uma bancada que seguisse enfrentando o bolsonarismo na Câmara dos Deputados, e é isso o que eu vou fazer nessa minha legislatura. Também quero dizer que não há crime nenhum ter voto de acampado, de assentado, a não ser que seja voto que utilizou da máquina pública para ser requisitado."

BOLSONARO E O CADASTRO DE ASSENTADOS
"Aliás, há nesse momento um inquérito movido pelo Ministério Público Federal contra o senhor Jair Messias Bolsonaro por ele ter utilizado dados de assentados do Incra, que seriam dados que seriam usados pelo governo para promover a reforma agrária e políticas voltadas para a reforma agrária. Ele utilizou esses dados para pedir votos. Era um vídeo que se dirigia aos assentados, dizendo que ia dar titulação, e o tempo todo aparecia o 22 ali, piscando; ele responde também por esse, além de tantos outros crimes na Justiça. Isso, sim, é crime. Ele está respondendo por isso."

VOTO DE MILITANTE NÃO É CRIME
"Agora, ter voto de lutador, de militante, não é crime, e eu tenho muito orgulho de ter sido a terceira deputada mais votada do Pontal do Paranaparema. Eu nasci no Pontal do Paranapanema. E, agora, eu quero falar sobre ele. Primeiro, eu quero saudar aquelas mulheres incríveis dos acampamentos Nelson Mandela e Miriam Farias, que responderam à altura ao relator dessa CPI, que achou que ia chegar lá intimidando todo mundo. Todo mundo viu os vídeos; circularam nas redes sociais, na imprensa. Ele achou o quê? Que, porque são pobres, porque são mulheres, porque são acampadas, elas iam abaixar a cabeça? Sinto muito! Quem o senhor Ricardo Salles pensa que é? Ele acha que, porque foi ministro do Bolsonaro, a mulherada vai ficar em silêncio com os absurdos que ele faz? Não, não vão ficar."

O PONTAL DO PARANAPANEMA E O PROGRESSO LOCAL
"Eu queria falar também do Pontal do Paranapanema porque eu nasci lá; minha família ainda mora lá. Infelizmente, é uma região com muita desigualdade social; tem muito latifundiário, muito! É uma das regiões do Brasil que mais tem latifundiário. Quando você viaja pelo estado de São Paulo, chegando ao Pontal, você vê. É muita terra improdutiva, muita, a perder de vista. Mas, ao mesmo tempo, também é uma das regiões do país que mais tem número de assentamentos, fruto da luta do MST da década de 90. E esses assentamentos geram renda, geram progresso pro Pontal do Paranapanema. Tem banco, tem comércio, tem vida econômica, tem vida social por conta da política de reforma agrária. O Pontal do Paranapanema seria muito pior economicamente, não fosse a luta do MST. E só não é melhor por causa do papel dos latifundiários, que se aliam com políticos locais para manter a desigualdade e a miséria de boa parte daquele povo. É por isso que a luta precisa seguir. É por isso que a luta da FNL, do MST e de tantos outros movimentos sociais é necessária. Para enfrentar esses que acham que o povo merece viver na miséria. Não merece viver na miséria. Não vai viver na miséria. E vai seguir lutando até o fim para que esse estado de coisas mude. Obrigada!"

ENCERRO
Adivinhem que vai fazer história, a boa, na CPI do MST: Sâmia, Talíria e Fernanda ou os velhacos?

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