quarta-feira, 23 de agosto de 2023

AGU abre caminho para petróleo da Foz do Amazonas, que não fica no Amazonas


Bacias brasileiras de petróleo na chamada "Margem Equatorial". A bacia "Foz do Amazonas" fica a 500 kim da foz do rio. Com parecer da AGU, início da prospecção parece inevitável. Que seja sem criseImagem: Reprodução/Petrobras

A partir desta quarta, saberemos se o presidente Lula está com uma solução em mãos ou com um novo problema. Lê-se o seguinte na página da Advocacia-Geral da União. A linguagem é clara:

"A Advocacia-Geral da União (AGU) publicou parecer no qual conclui que a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) não é indispensável e tampouco pode obstar a realização de licenciamento ambiental de empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás natural no país.

A manifestação ocorreu em resposta a solicitação realizada em julho deste ano pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, relativa ao processo de licenciamento para a perfuração do bloco FZA-M-59, localizado na chamada Margem Equatorial, a 175 quilômetros da foz do Rio Amazonas [NR: NA VERDADE, SÃO 500 KM], no norte do país. O bloco foi leiloado em 2013 pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), na 11ª Rodada de Licitações aberta para concessão do direito de exploração e produção desses insumos.

De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), em maio deste ano o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indeferiu licença para a perfuração do poço no bloco. Segundo a pasta, os principais argumentos listados pelo órgão para a rejeição do pedido foram: a) necessidade de realização de estudos de caráter estratégico (AAAS) na bacia da foz do Amazonas; b) eventuais impactos sobre comunidades indígenas devido ao sobrevoo de aeronaves entre o Aeródromo do Oiapoque/AP e o local do Bloco FZA-M-59; e c) tempo de resposta e atendimento a fauna atingida por óleo, em caso de vazamento.

Diante da negativa, e por discordar da compreensão dada pelo órgão ambiental a dispositivos normativos aplicáveis ao caso, o MME solicitou à AGU que realizasse a interpretação de tais normas em caráter de urgência "diante da relevância da discussão para os investimentos nesse importante projeto, inclusive no que toca aos aspectos econômicos, sociais e ambientais".

STF
O órgão embasa a sua análise em julgamento do STF:
"O entendimento estabelecido por meio do parecer da AGU é reconhecido em manifestações de áreas jurídicas de órgãos federais ligados ao assunto, e também foi encampado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamentos recentes. Na apreciação das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs nº 825 e nº 887), a Corte decidiu que a viabilidade ambiental de um empreendimento deve ser atestada no próprio licenciamento, e não por meio de AAAS. Nos precedentes mencionados, o STF expressa a compreensão de que é no procedimento de licenciamento ambiental que são aferidos "de forma específica, aprofundada e minuciosa, a partir da Lei nº 6.938/1991, os impactos e riscos ambientais da atividade a ser desenvolvida".

CONCILIAÇÃO
A página da AGU ainda informa:
"Além de fixar a interpretação relativa à dispensabilidade do AAAS para o licenciamento ambiental, a AGU também encaminhou à Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF) solicitação de abertura de processo administrativo de conciliação entre os órgãos federais envolvidos no assunto. O objetivo da medida é buscar a resolução consensual dos demais pontos divergentes relativos ao caso, incluindo os levantados pelo Ibama na negativa do licenciamento sobre os impactos de sobrevoos para as comunidades indígenas e o plano de proteção à fauna. Unidade da CGU/AGU, a CCAF é responsável por realizar processos de solução consensual de conflitos que envolvem órgãos da administração pública direta, autarquias ou fundações federais, e entre esses órgãos e os particulares, incluindo empresas privadas e públicas."

RETOMO
O que a AGU faz, pois, é tornar sem efeito o principal óbice alegado pelo Ibama para negar a licença ambiental à fase prévia de exploração de petróleo na chamada Foz do Amazonas. A área de perfuração para teste fica a 175 km da costa, mas a 500 km da verdadeira foz do rio.

Entenda-se: "Foz do Amazonas" é, em realidade, o nome de uma das bacias de exploração, localizada nos Estados do Amapá e do Pará. As outras são "Pará-Maranhão", "Barreirinhas" (Maranhão); Ceará (Piauí e Ceará) e Potiguar (Rio Grande do Norte).

Como se nota acima, a AGU pede a instalação de uma Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF) entre os dois ministérios diretamente envolvidos na questão — o do Meio Ambiente e de Minas e Energia — em busca de um consenso. E isso significa que, respectivamente, Marina Silva e Alexandre Silveira terão de se entender. Reitere-se: não se trata de começar a tirar petróleo amanhã da região. O que se quer fazer é uma primeira ação exploratória — que prevê, sim, perfuração, a quase dois mil metros de profundidade — para saber se o óleo está mesmo lá e se sua exploração é economicamente viável.

RESERVAS
O Brasil tem perto de 15 bilhões de barris de petróleo em "reservas provadas", 12 bilhões correspondentes ao pré-sal. Somadas a essas as "prováveis", chega-se a pouco menos de 22 bilhões, e se alcança quase 27 bilhões quando se consideram também as possíveis. A Agência Nacional de Petróleo explica:
"As reservas provadas correspondem à quantidade de petróleo ou gás natural que a análise de dados de geociências e engenharia indica com razoável certeza como recuperáveis comercialmente, na data de referência do Boletim Anual de Recursos e Reservas. Quando são usados métodos probabilísticos, a probabilidade de que a quantidade recuperada seja igual ou maior que a estimativa deverá ser de pelo menos 90%. Nas prováveis, a probabilidade de que a quantidade recuperada seja igual ou maior que a soma das estimativas das reservas provada e provável deverá ser de pelo menos 50%. No caso das reservas possíveis, a probabilidade de que a quantidade recuperada seja maior ou igual à soma das estimativas das reservas provada, provável e possível deverá ser de pelo menos 10%."

Os números explicam por que tanta animação com a exploração de petróleo na parte brasileira da chamada "Margem Equatorial". Os muito pessimistas falam em pelo menos 6 bilhões de barris; os realistas apostam num mínimo entre 10 bilhões e 12 bilhões — um outro pré-sal. E há quem estime 30 bilhões. A Guiana, que atua na área há oito anos, anuncia 11 bilhões de barris — 73,3% das "reservas provadas" do Brasil. No caso de Suriname, são 4 bilhões.

SOLUÇÃO OU CRISE?
Dado o posicionamento da AGU, será muito difícil impedir a primeira fase exploratória. Como o órgão afirma que a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) não é indispensável ao licenciamento ambiental, este pode ser concedido sem transgressão aos marcos legais. O presidente de Lula tem, agora, de apostar todas as suas fichas na Câmara de Conciliação.

Sejamos realistas: dado o parecer da AGU, o início da fase exploratória parece inevitável. Que se dê sob a vigilância do Ministério do Meio Ambiente. Que se tenha uma solução, não uma crise.

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