quinta-feira, 10 de agosto de 2023

PF põe Torres no centro do rolo; a ele e a Silvinei, resta a delação.


Silvinei Vasques, Anderson Torres e Jair Bolsonaro no dia 21 de fevereiro do ano passado, durante cerimônia no Palácio do Planalto. As democracias reservam um lugar para os que pretendem destruí-las: a cadeia. Com direitos humanos.Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal, que se entenda com sua defesa. Fato: pode, se quiser e lhe for oferecido, fazer um acordo de delação premiada porque tem a oportunidade de apontar o dedo para cima — no caso, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, e, dada a proximidade evidente, Jair Bolsonaro. Foi Flávio Bolsonaro quem o colocou no cargo. A alternativa é, digamos, agasalhar o infortúnio, com uma cana não muito leve, certamente em regime inicial fechado, sem que isso ajude necessariamente a Torres, que também está encrencado e não deve ter destino diferente. Uma dica ao doutor: na cadeia, não se usa tornezeleira... Deve ser a única vantagem comparativa, dadas as alternativas.

E Torres? Rola uma delação? Também ele pode apontar o dedo para cima, e aí, não tem jeito, estará a indicar aquele que se mostrava acima do Brasil e de Deus: o Capitão das Cavernas. O ex-presidente e seu entorno, no entanto, confiam na fidelidade do amigão. Huuummm... Quando preso, este deu sinais de fragilidade ou a simulou. Se fingiu, a "famiglia" respire aliviada; se realmente estava pirando, aí convém o clã se preocupar um tanto. Damares já lhe prometeu um abraço. Não sei se basta..

Torres abusou da sorte no depoimento à CPMI. Tudo indica que realmente não tinha noção de quão fundo na investigação tinha ido a Polícia Federal, o que pode ser um sinal de grave alienação. Afinal de contas, lá ele fez carreira. Mas parece ter se deixado tomar por certa vocação missionária. Isso não é raro no entorno de Bolsonaro.

As coisas não saíram bem para os feiticeiros. Torres depôs na terça na CPMI, usando a tornezeleira. Houve até quem registrasse a sua "firmeza". Não se deve confundir a assertividade com a verdade, não é mesmo? O ex-ministro não sabia, mas, no dia 29 de junho, o delegado Flávio Vieiteiz Reis já havia apresentado ao ministro Alexandre de Moraes uma petição pedindo a prisão preventiva de Vasques e uma penca de mandados de busca e apreensão.

O documento impressiona, tantas são as evidências de que se armou uma operação com claro objetivo de obstar o livre trânsito de eleitores de Lula. O crime aconteceu, e ali se apontam os indícios de autoria. As condições essenciais para uma preventiva estavam dadas. Faltavam eventuais motivos: e eles se materializaram ao se constatar que dois outros investigados, subordinados ao ex-diretor quando no comando da PRF, resolveram, aponta a petição, mentir em depoimento oficial, fazendo afirmações que seus próprios celulares desmentiam. E então se materializou a possibilidade de que, solto, Silvinei representasse uma ameaça à instrução criminal, demonstrando que sua liberdade implicava um perigo para a própria investigação.

Assim, algumas das coisas ditas por Torres aos parlamentares na CPMI já haviam sido desmoralizadas pelo documento da PF. Só faltava que este viesse à luz. E veio. Importante observar: Moraes havia autorizado a prisão e os mandados de busca e apreensão no dia 23 de julho.

EVIDÊNCIAS
É inequívoco que se elaborou uma lista de cidades em que Lula havia obtido mais de 75% dos votos, e estas foram alvos preferenciais das ações de bloqueio da PRF. Transcrevo um trecho da petição da PF que traz parte do depoimento da delegada de Polícia Federal Marília Ferreira de Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça -- subordinada de Torres. A palavra "declarante" se refere a Marília:

"QUE a DECLARANTE solicitou, com base no BI anteriormente mencionado, ao servidor CLEBSON FERREIRA DE PAULA VIEIRA que confeccionasse um BI com o resultado das eleições, mencionando os resultados nos quais cada um dos dois candidatos a Presidente da República tiveram mais do que 75% de votos no primeiro turno, confrontando com os partidos políticos dos respectivos Prefeitos de cada município do Brasil inteiro, o que poderia caracterizar indicativo de compra de voto a depender do informe recebido; QUE ressalta que é apenas um indicativo; QUE solicitou que a planilha fosse extraída, impressa e entregue à DECLARANTE; QUE apresentou a planilha ao Ministro ANDERSON TORRES em reunião na qual também estavam presentes outros servidores da SEOPI, tendo explicado o intuito das análises;.........QUE a DECLARANTE, no dia do segundo turno das eleições, trabalhou no CICCN (Centro Integrado de Comando e Controle do MJSP), sendo que, ao chegar no local, tomou conhecimento da confusão envolvendo a atuação da PRF no dia; QUE a ação da PRF chamou a atenção da DECLARANTE pela forma como estava sendo noticiado, sendo que chegaram a comentar no ambiente se aquilo de fato estaria ocorrendo ou mesmo se seria uma atuação intencional da PRF, de tão absurdo que era; QUE as notícias indicavam que a PRF supostamente estaria parando eleitores, através de blitz, impedindo os eleitores de votarem; QUE ressalta que não houve qualquer atuação da DINT para que isso ocorresse, tanto que causou surpresa à DECLARANTE; QUE afirma que sequer tinha contato com o setor operacional da PRF, sendo que o contato em questão era mantido pela DIOPI, na pessoa do DPF FERNANDO OLIVEIRA; QUE pelo que sabe, não houve interferência do DPF FERNANDO para que a PRF atuasse de tal forma, não sabendo dizer se houve por parte do então Ministro ANDERSON TORRES;"

Vai acima a evidência da confecção do tal documento. Mas com qual propósito? Vamos ao que a PF encontrou no celular de Marília:
Foram identificadas três imagens armazenadas no celular de MARÍLIA que chamam atenção pelo conteúdo e dia de captura, 17/10/2022. A imagem IMG-20221017-WA0074.jpeg (hora de captura: 11h23) aparenta ser a foto de uma folha de papel com uma impressão de uma "tela" de Power BI, na qual aparece um painel com o título "CONCENTRAÇÃO MAIOR OU IGUAL A 75% - LULA". Abaixo do título, há um mapa do Brasil e uma lista de municípios, trazendo uma tabela com cidades ordenadas, aparentemente, por ordem de concentração de votos no candidato "LULA". Aparecem as seguintes cidades: Crato (CE), Paulo Afonso (BA), Iguatu (CE), Parintins (AM) Candeias (BA), Serra Talhada (PE), Quixeramobim (CE), Canindé (CE), Casa Nova (BA), Araripina (PE), Santo Amaro (BA), Pesqueira (PE), Ouricuri (PE), Barreirinhas (MA), Icó (CE), Cajazeiras (PB) e Euclides da Cunha (BA). Há uma coluna de votos, cujo número total é 10.073.642. Na coluna "BOLSONARO", há indicativo de um total de 1.485.294 votos, seguida pela coluna "LULA" com número total de 7.743.713. As colunas de percentuais apontam 15,37% na coluna "% BOLSONARO" e 80,15% na coluna "% LULA". Há também uma coluna final de partidos. (...)

Esse material teve alguma aplicação prática? Sim! Serviram para organizar as operações de bloqueio. Vamos ao que diz a PF:
No dia seguinte às imagens em questão, 18/10/2022, às 15h26min, foi elaborado/modificado um arquivo Excel encontrado na área "Documentos" do aparelho telefone celular da DPF MARÍLIA, com o nome "BA_ELEICOES_.xlsx", com as colunas "QTD EQUIPES", "BASE", "TOTAL DE ELEITORES" e "ALCANCE NO ESTADO", indicando o possível alcance de eleitores pelas equipes da PRF, abrangidos pelas suas bases/pontos fixos, sendo que a outra aba do arquivo, nomeada "DETALHAMENTO", especificava os municípios atendidos por cada base.
O que chama a atenção em tais documentos é, além do fato de terem sido produzidos um dia após as fotografias do "BI dos 75%", uma mensagem enviada pela DPF MARÍLIA a seu esposo, ERASMO, no mesmo dia 18/10/2022, às 17h12min, a mesma afirmar "Cara, eu tô em reunião séria do Excel no GAB", deixando claro estar tratando sobre os dados das planilhas em questão com o ex-MJSP ANDERSON TORRES."

ENTENDERAM?
Fiz questão de destacar esses trechos porque eles jogam Torres no centro da cena. Silvinei está preso porque se considerou que sua liberdade põe a investigação em risco, já que pode interferir na instrução criminal.

Do conjunto da obra, no entanto, se depreende o óbvio: Torres não está em situação melhor, dados os autos. Convenham: o cerco vai se fechando. E quem está ficando a cada dia mais acuado é Bolsonaro.

Aqui se faz, aqui se paga. Não é uma lei divina. É uma divisa das democracias quando estas funcionam.

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