quinta-feira, 6 de julho de 2023

Saúde é do Lula, mas ritmo das verbas é do Lira



Discursando numa conferência em Brasília, Lula vangloriou-se de ter resistido às pressões políticas para levar a pasta da Saúde ao balcão. Contou ter telefonado à ministra Nísia Trindade para tranquilizá-la. "O Ministério da Saúde é do Lula", declarou. Que seja. O tilintar de verbas, entretanto, indica que a chave do ministério —ou a definição do ritmo com que os recursos saem pelo ladrão— é de Arthur Lira.

Num único dia, terça-feira, o governo liberou R$ 2,1 bilhões em emendas orçamentárias. O grosso saiu da Saúde. Dinheiro requisitado pelas bancadas estaduais. Inclui governistas e oposicionistas. O PP, partido de Lira, foi o maior beneficiário. A Saúde entregou também nos últimos dias R$ 665 milhões em verbas do antigo orçamento secreto. Alagoas, estado de Lira, foi o que mais recebeu.

Diz-se que o toma-lá-dá-cá é parte da democracia representativa. De fato, os pedidos podem ser justos e os projetos impecáveis. Mas a Polícia Federal sinaliza que, sem uma planilha que esclareça o que se toma e o que se dá, a coisa pode resultar em imoralidade.

Por exemplo: Se o MEC entrega a parlamentares o poder de decisão para aplicar as verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, um cofre de mais de R$ 50 bilhões, o dinheiro do contribuinte logo estará financiando a compra de kits de robótica para escolas que não dispõem de carteiras para os alunos.

No Congresso, não é raro que o cérebro das pessoas fique menor do que o diâmetro do bolso. Por isso, o dinheiro continua sendo a melhor isca para pescar apoio congressual. Mede-se a importância que o Executivo atribui à pauta do Legislativo pela quantidade de verba que circula às vésperas das votações.

Lira caprichou na pauta desta semana. A Câmara discute a reforma do sistema de impostos, aperta os parafusos do órgão que julga recursos de devedores da Receita Federal e conclui a análise da proposta sobre a nova regra fiscal. Tudo junto, de cambulhada.

O centrão farejou na conjuntura um bom momento para encostar o código de barras no Planalto. No início da semana, Lira reuniu-se com os dois principais operadores políticos de Lula: o articulador Alexandre Padilha e o chefe da Casa Civil Rui Costa. Apresentou-lhes as "demandas represadas" do centrão e adjacências. Informado, Lula mandou pagar.

Nesta quarta-feira, o juiz federal Roney Raimundo Leão Otílio, da 2ª Vara Federal de Alagoas, rolou para o Supremo Tribunal Federal a bola de ferro da compra superfaturada dos kits de robótica.

Lira percorre os salões de Brasília como uma espécie de centauro. Mantém a cabeça lá em cima, na articulação das reformas econômicas, e o corpo bem lá embaixo, no lodo do patrimonialismo orçamentário.

O imperador arrasta pela conjuntura um papelório apreendido pela PF com o ex-assessor Luciano Cavalcante e o motorista dele. Dissemina-se nos bastidores a percepção de que Lira amontoou projetos de inquestionável relevância num calendário apertado para dissipar o mau cheiro. Não está funcionando.

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