domingo, 9 de julho de 2023

Lula terá que arbitrar duelo entre centrão e Janja



Armou-se em Brasília uma disputa sui generis. De um lado, o centrão. Do outro, Janja. Na aprovação da reforma tributária, uma mexida constitucional que estava encruada havia três décadas, o centrão conseguiu o que parecia impossível: agigantou-se, virou um centrãozão. Desconfortável como uma baleia numa jacuzzi, o grupo exige 'mais espaço' no governo. Lula esboçou a intenção de ceder. Janja ergue barricadas.

Lula dobrou os joelhos na sexta-feira, numa conversa com o oligarca da Câmara Arthur Lira. Foi graças à sinalização do presidente que Lira removeu os obstáculos que empurravam para o segundo semestre a aprovação da proposta que devolveu à União a palavra final nas disputas do Carf, a última instância administrativa para resolução de litígios entre o Fisco e grandes devedores de impostos.

A atmosfera amistosa foi potencializada durante encontro informal de Lula com Lira e líderes partidários da direita e da esquerda. Para saudar a união de propósitos, Lula levou uma fotografia da confraternização às redes sociais. Ficou entendido que a baleia ganhará mais "espaço" na Esplanada dos Ministérios. O nome das pastas será definido oportunamente.

Na mesma sexta-feira, Janja visitou o Ministério do Desenvolvimento Social, a pasta que administra o Bolsa Família. Deixou-se filmar ao lado do ministro petista Wellington Dias, cuja poltrona é ambicionada pelo PP, o partido de Lira. No vídeo, a primeira-dama soou assim: "Eu estou aqui no MDS, e esse é o coração do governo. O presidente Lula fala que a população mais pobre do Brasil é a prioridade desse governo. Então, o Ministério do Desenvolvimento Social é que atende as políticas públicas feitas para essa população, são pensadas aqui".

A certa altura, Janja realçou: "O trabalho, aqui, está acontecendo, e a realidade do Brasil está mudando a cada dia. Todos juntos pela união e reconstrução do Brasil". O que a mulher de Lula declarou, com outras palavras, foi mais ou menos o seguinte: "Aqui não, centrão". Ao sentir o cheiro de queimado, um dos caciques partidários que seguem a orientação de Arthur Lira indagou, em timbre de ironia: "Quantos votos tem a senhora Janja no Congresso?"

Como qualquer organismo hipertrofiado, o centrão emite sinais de irascibilidade e impaciência. Exercitando o seu incômodo, o União Brasil arrancou de Lula a troca de Daniela Carneiro pelo deputado bolsonarista Celso Sabino no Ministério do Turismo. Deseja-se agora acomodar no primeiro escalão o PP e o Republicanos.

Esteio do Planalto durante a gestão de Bolsonaro, o PP cobiçava os cofres da pasta da Saúde. Lula abortou a articulação ao declarar que não abre mão dos trabalhos técnicos da ministra Nísia Trindade. O partido de Lira, então, levou à alça de mira o ministério do Bolsa Família. O Republicanos almeja o Ministério do Turismo, momentaneamente comandado pela ex-jogadora de vôlei Ana Moser.

No poder desde a chegada das caravelas, o centrão faz e desfaz governos no Brasil. Sob Lula 3, embora já tenha conquistado a desobstrução do duto das emendas orçamentárias, o centrão, agora centrãozão, encosta a faca no peito do presidente. Exige o "dá cá" sem recato. Em agosto, depois das férias legislativas do meio do ano, Lula terá que definir o tamanho do novo "toma lá".

Em janeiro, na formação do governo, Lula havia negado a Simone Tebet o controle do ministério que Janja chama de "coração do governo". Sob a alegação de que o Bolsa Família é a menina dos olhos do PT, empurrou a ex-presidenciável do MDB para o Ministério do Planejamento.

Se permitir que o "coração" passe a bombear sangue para os redutos eleitorais do centrão, Lula comprará duas encrencas domésticas. Uma com Janja. Outra com o petismo.

Arbitrando a disputa contra os interesses do centrãozão, Lula arrisca-se a transformar a baleia numa espécie de centauro -que mantém a cabeça e o tronco lá em cima, na economia liberal e nas mais altas justificativas do mercado, e o corpo lá embaixo, no clientelismo e na politicagem explícita.

Precavido, o ser mitológico da política brasileira transferiu para agosto a votação da proposta sobre o novo marco fiscal.

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