quarta-feira, 19 de julho de 2023

Ataque a Moraes: Inverter ônus moral do crime é defesa perigosa; tiro no pé



Teria havido algum exagero no mandado de busca e apreensão autorizado pelo Supremo na casa de Roberto Mantovani Filho e Andreia Munarão, em Santa Bárbara D'Oeste, interior de São Paulo? A resposta é "não!" Mas é preciso ir além. Noto, logo à partida, que o sagrado direito de defesa — e que jamais seja arranhado; não pertenço à seita lava-jatista, que tanto sucesso fez na imprensa! — deveria evitar enveredar pelos caminhos da inversão do ônus moral diante do cometimento de um crime. Especialmente quando esse é perpetrado contra o estado democrático. Cada um escolha o caminho que achar melhor. Digo o que penso. Vamos ver.

VIVENDO EM OUTRO MUNDO
Se alguém imagina que a agressão ao ministro Alexandre de Moraes e a seus familiares no Aeroporto de Roma vai custar baratinho, está vivendo em outro mundo. Por ocasião da barbárie de 8 de janeiro, chamei a atenção para o inevitável: a reação seria duríssima. Está sendo e será. É preciso que se entenda qual é o valor que está sendo atacado. Estamos falando de agressão às instituições naquele caso e neste também.

Não! Não se trata apenas de uma ofensa pessoal a Alexandre de Moraes. Fala-se aqui de um membro do Poder Judiciário, da Corte Maior do país, que foi alvo de uma tentativa de intimidação por exercer a sua função nos limites do que prevê a Constituição. Trata-se de um crime muito grave, previsto no Código Penal: Artigo 359 L. Com o fim da Lei de Segurança Nacional, houve a aprovação da Lei de Defesa do Estado Democrático. O custo de atuar para impedir o livre exercício de um Poder rende até oito anos de cadeia.

A residência de Roberto Mantovani filho e Andreia Munarão -- o casal que participou, de forma admitida, do que chama "entrevero" em Roma --, foi alvo de um mandado de busca e apreensão. Ralph Tórtima Filho, advogado de ambos, afirmou o seguinte:

"Eu acredito que toda decisão judicial deve ser respeitada, mas eu acredito que, se o Supremo Tribunal Federal tivesse conhecimento dos depoimentos que foram prestados hoje, eu acredito que, muito provavelmente, uma decisão dessa não saísse. (...) Na verdade, uma busca em torno de celular, querendo encontrar alguma vinculação de algum deles com alguma questão relacionada à urna eletrônica ou ataque golpista, o que não existe em absoluto..."

Já escrevi aqui e já disse em todo canto que o direito de defesa é sagrado. Tórtima faz o seu trabalho. Mas me reservo a licença de alguns reparos. Com ou sem depoimentos, o mandado era inevitável — e aposto que, de verdade, ele sabe disso.

Existem três inquéritos apurando os atos golpistas. Há outros que antecedem o 8 de janeiro, como o das "fake news" e o das milícias digitais. Um casal e seus familiares se envolvem num "entrevero" que resultou até em agressão física contra o filho do ministro. E tudo se deu, convém ressaltar, porque Moraes é quem é. Inexiste alternativa a investigar se há conexão entre esse fato, de extrema gravidade, e aquelas apurações. E o mandado de busca e apreensão é um dos instrumentos para tanto.

É preciso verificar se a decisão é ou não motivada. Pergunto retoricamente a Tórtima, e ele sabe a resposta: quando um ministro do Supremo é atacado, com um familiar seu sendo fisicamente agredido, o Estado brasileiro deve ou não, por intermédio da Polícia Federal e do Poder Judiciário, analisar todas as possibilidades, consideradas as circunstâncias conhecidas em que atos dessa natureza se deram antes?

Não se trata de uma "pescaria" para encontrar algo contra o casal. O "algo" já aconteceu. E é crime grave. Dada a natureza das investigações em curso sobre a tramoia golpista e o ataque às instituições, tem-se a imposição do óbvio porque lógico e do lógico porque óbvio.

Chamo a atenção para um outro aspecto. Não me parece uma boa escolha inverter a lógica das causalidades do que se deu em Roma. Mantovani admite ter havido, entende-se, um contato físico com o filho de Moraes, que teve os óculos derrubados por um tapa ou coisa assim.

O empresário, no entanto, diz não ter havido empurrão e que só agiu — fez o quê? — para proteger sua mulher, que teria sido desrespeitada pelo filho do ministro. É mesmo? Que se saiba, há um vídeo a indicar que Andréia Munarão foi, por assim dizer, o ponto zero do "entrevero". A partir de agressões verbais disparadas por ela contra o ministro, deu-se o resto...

Venham cá: que verdade alternativa se tenta emplacar? A Família Moraes, ao ver a Família Munarão-Mantovani no aeroporto, teria sido tomada pela fúria e decidido: "Não podem ficar aqui. Ladrões! Vendidos! Comunistas!" ? Foi isso? Quem identificou quem e foi tomado pela intolerância?

INVERSÃO DO ÔNUS MORAL
Há um esforço de inversão nessa história que me parece pouco virtuoso também como estratégia de defesa. E não estou me referindo ao ônus da prova ou à sequência "ação-reação". Até porque os vídeos certamente tirarão qualquer dúvida a respeito. Falo de uma espécie de inversão moral que pretende a criminalização da vítima.

Há uma grande diferença entre atuar em busca de atenuantes e construir um discurso que procura no agredido as causas do crime cometido pelo agressor. Não me soa prudente nem mesmo para o destino dos que tomaram a iniciativa de delinquir.

Fiquem certos. Esse crime terá a pena máxima que o estado democrático e de direito há de impor em defesa de suas próprias garantias. Com as devidas provas e dentro das regras do jogo.

O melhor caminho, entendo, seria o da redução de danos, não o da tentação de descriminalizar o crime. Porque isso não vai acontecer.

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