O ministro Luiz Fux, do Supremo, fez uma barbaridade de tal vulto que, se endossada por seus pares, torna simplesmente sem efeito a Lei da Ficha Limpa, entre outas coisas. Não que a dita-cuja seja um exemplo técnico a ser seguido, claro… A ação do ministro não é deletéria só por isso. O doutor decidiu, agora, ser bedel de deputado. Pior: ancora sua posição em leis ou regulamentos inexistentes. Mais grave ainda: abre um novo capítulo da guerra entre o Poder Judiciário e o Poder Legislativo. Estamos diante de algo inédito.
O que fez o doutor? Vamos lá.
Concedeu liminar numa ação impetrada pelo deputado Flávio Bolsonaro (PSC-SP) tornando sem efeito a votação do tal pacote anticorrupção da Câmara. Isto mesmo: segundo Fux, nada do que os deputados votaram tem validade. Ele quer que tudo volte à estaca zero.
Talvez alguns ingênuos comemorem. Será a comemoração do choque entre Poderes.
Como se sabe, as propostas feitas pelo Ministério Público, transformadas em emenda de iniciativa popular, foram substancialmente mudadas pelos deputados. Nem vou agora entrar no mérito. Pode-se gostar ou não delas, mas se trata de uma das Casas do Legislativo exercendo as suas prerrogativas.
Em que se ancorou Fux para dar a sua liminar? Afirmou que o Supremo já considerou inconstitucional a inclusão em Medida Provisória de matéria estranha ao objeto da dita-cuja. É verdade! Ocorre que Medida Provisória, cujos efeitos são imediatos, é coisa distinta de projeto de lei.
E o que seria matéria estranha ao projeto, segundo o ministro? Ele responde: o “título que dispõe sobre crimes de abuso de autoridade de magistrados e membros do Ministério Público, além de dispor sobre a responsabilidade de quem ajuíza ação civil pública com (…) manifesta intenção de promoção pessoal ou visando perseguição política”.
Como sempre, lá está o tema da guerra do Judiciário contra o Legislativo. Até aqui, o ministro já foi longe no absurdo, mas ainda não escancarou a loucura.
Ele também disse ser sem efeito a prática de deputados adotarem como sua a emenda de iniciativa popular. Ora, recorre-se a esse instrumento para tornar viável a tramitação do texto. Do contrário, seria preciso verificar, por exemplo, a veracidade de todas as assinaturas.
Não foi, assim, então, com a Lei da Ficha Limpa? Também ela era de “iniciativa popular”. Também ela foi adotada por parlamentares. Também ela foi emendada.
Aliás, se formos ser rigorosos, nem a Ficha Limpa nem o Pacote Anticorrupção tiveram origem no povo. O primeiro surgiu de um movimento liderado pelo advogado Márlon Reis, e o segundo nasceu no Ministério Público Federal. Nos dois casos, os signatários foram usados, vamos dizer, como “laranjas do bem”.
O que pretende Fux? Que um projeto dito de inciativa popular não possa nem ser emendado? Ou é aprovado ou é rejeitado na íntegra?
Evidentemente, a Mesa da Câmara entrará com um agravo regimental contra a decisão de Fux, que deve ser derrubada pelos demais ministros. Se endossada, aí bastará um dos punidos pela Lei da Ficha Limpa recorrer ao Supremo para tornar sem efeito não aspectos do texto, mas ele inteiro.
Não custa lembrar que políticos eleitos já perderam o mandato em razão de tal lei. E aí? Acontece o quê?
Estamos fritos Olhem, meus caros, estamos fritos. As coisas caminham por terrenos muito perigosos. O baguncismo está chegando também ao Supremo. Daqui a pouco, vou falar de Marco Aurélio…
De resto, digamos que o projeto fosse aprovado como está e sancionado pelo presidente, tornando-se lei. Havendo lá aspectos de constitucionalidade duvidosa, aí, sim, recorre-se, então, ao Supremo com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, por exemplo.
Rodrigo Maia reagiu com correção: “Isso significa que, se o ministro Fux tiver razão, a Lei da Ficha Limpa não tem valor, não vale mais. A assessoria da Câmara está analisando, mas, infelizmente, me parece uma intromissão indevida do Poder Judiciário na Câmara dos Deputados”.
Indevida e escandalosa.
Por Reinaldo Azevedo
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