Dou-lhe uma, dou-lhe duas… Eduardo Cunha decidiu levar o impeachment de Dilma Rousseff ao martelo. Recebe lances do governo e da oposição. Promove um leilão às avessas. Entregará a mercadoria ao agrupamento que der menos pelota para a ética. De certa forma, o Brasil esperava por um sinal claro de que o fim estivesse próximo. Um fato que resumisse tudo. O sinal foi dado.
O pregão em que o presidente da Câmara anuncia que o futuro da República será arrematado por quem conseguir livrar seu pescoço da guilhotina vai ficar para o verbete da enciclopédia como uma apoteose às avessas de um período sem mocinhos. Uma fase em que Cunha, um vilão sem atenuantes, com a faca do impeachment numa mão e o queijo do poder institucional na outra, recebeu licença de todos —dos pró-homens e das mulheres-sapiens— para ser aético à vontade na frente das crianças.
Vocacionada para as antiapoteoses, a política brasileira atingiu uma espécie de ápice do cinismo assumido. A oposição, depois de divulgar uma nota pedindo a saída de Cunha, reúne-se com ele para informar que, se tocar o impeachment, receberá de volta a presunção de inocência, mesmo sabendo que até a Promotoria da Suíça já não tem a menor dúvida.
Ministros do governo Dilma, antes e depois do discurso em que a presidente perguntou “quem tem força moral, reputação ilibada e biografia limpa suficientes para atacar a minha honra?”, dialogam com Cunha para esclarecer que, se engavetar o impeachment, será socorrido no Conselho de Ética da Câmara e também no STF.
A principal característica dessa fase sem mocinhos da política brasileira é que tudo está na cara, sem qualquer ambiguidade. Os protagonistas da cena praticam suas vilanias com as melhores intenções. Eles só querem interrromper o pesadelo. Ou prolongar o sonho, dependendo do ponto de vista. A aliança com Cunha seria imoral se todos não estivessem no Brasil —um paraíso no qual sempre é possível reconstruir as consciências e ter uma longa vida pública.
Cunha prolongará o suspense pelo tempo que lhe for conveniente. Não se sabe se haverá Dilma depois do “dou-lhe três”. Mas de uma coisa ninguém duvida: o Brasil do vale-tudo, passará à história como um país em que personagens como Eduardo Cunha são eternos.
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