Está pautada para esta terça-feira, na Câmara dos Deputados, a votação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que reinstitui a obrigatoriedade de diploma e registro profissional para o exercício da profissão de jornalista. Caso vá mesmo a plenário, a PEC tem boas chances de ser aprovada, segundo as contas informais de líderes da Câmara. E com isso deve se instaurar mais um daqueles conflitos entre poderes em que o Brasil tem sido pródigo nos últimos anos. Em 2009, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a exigência. Por oito votos a um, os ministros julgaram que a legislação que exigia o diploma - o Decreto-Lei n. 972/69, editado em pleno regime militar - não era compatível com a Constituição de 1988. Mais importante, disseram que restringir a jornalistas formados e registrados o direito de expor seu pensamento pela imprensa era uma violação a cláusulas pétreas da Carta Magna.
O julgamento de junho de 2009 teve como relator o ministro Gilmar Mendes. O núcleo de sua argumentação não dizia respeito somente às velhas normas da ditadura, mas a qualquer lei que procurasse submeter o exercício do jornalismo à tutela do Estado ou de uma corporação: "O jornalismo e a liberdade de expressão são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada. Limitar o exercício da profissão de jornalista por filtros exigidos por entidades de classe é, ao final, limitar a livre circulação de ideias."
Segundo especialistas ouvidos pelo site de VEJA, mesmo que novas regras sobre o jornalismo sejam inscritas na própria Constituição, elas vão se chocar com seus princípios fundamentais - e com o entendimento já estabelecido pelo Supremo, que é o órgão a quem cabe dar a palavra final sobre o que está ou não está em harmonia com o ordenamento jurídico brasileiro.
"O Congresso pode insistir no tema, mas é discutível a validade dessa PEC", diz o ex-presidente do STF Carlos Velloso concorda. "Se o Supremo decidiu que exigir o diploma atenta contra a liberdade de expressão, uma emenda constitucional que vem dispor em sentido contrário estaria atentando contra um direito fundamental", afirma. "Mesmo que não tenha esse propósito, a emenda acaba sendo, também, uma afronta ao Supremo."
Também ex-presidente da corte, o ministro Sepúlveda Pertence concorda. "Acredito que aquela sentença não pode ser atacada. O julgamento sobre a exigência de diploma foi todo construído sobre a liberdade de expressão, sobre uma cláusula pétrea da Constituição Federal", diz. "Se a PEC for aprovada, será questionada por violar uma cláusula pétrea."
Embora não haja consenso sobre o tema, a possibilidade de que o Congresso contrarie uma interpretação do ordenamento jurídico feita pelo STF por meio de mudanças na própria Constituição é amplamente questionada. "O Judiciário é um dos três poderes, está no mesmo plano que o Executivo e o Legislativo. E cabe a ele interpretar a Constituição. A PEC pode ser vista como uma afronta à decisão que já foi dada por um poder legítimo", diz o professor Rubens Beçak, docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). "O Legislativo teve muitas décadas para se manifestar sobre o diploma de jornalista, mas não o fez. Finalmente, o Supremo decidiu, nos limites da sua missão institucional. Reabrir a questão nesses termos é uma temeridade."
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