quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Mensaleiros podem dormir na cadeia e dar expediente na Câmara durante o dia


Foto: Sérgio Lima/Folha

Ao dispensar aos mensaleiros com mandato o mesmo tratamento dado ao deputado-presidiário Natan Donadon, a Câmara se autocondenou a um ridículo de dimensões planetárias. Nos próximos dias, dependendo da decisão a ser tomada pelo STF, pode tornar-se o único Legislativo do mundo a abrigar dois deputados que, após o expediente, serão algemados, embarcados no camburão e conduzidos à cadeia, onde passarão suas noites.

O STF inaugura na tarde desta quarta-feira a terceira fase do julgamento do mensalão. Nesse estágio, os ministros do Suprema Corte vão julgar a segunda rodada de embargos de declaração, como são chamados os recursos que visam corrigir eventuais contradições, omissões ou obscuridades do veredicto. Para 13 dos 25 réus, será o fim da linha. Sem a possibilidade de manejar novos recursos, já poderão ser enviados ao xadrez.

Estão nesse grupo os deputados federais Valdemar Costa Neto (PR-SP), condenado a 7 anos e 10 meses de cana; e Pedro Henry (PP-MT), sentenciado a 7 anos e 2 meses. Como pegaram menos de 8 anos, a lei lhes assegura o regime semiaberto. Poderão requerer o usufruto do direito de deixar o presídio durante o dia para “trabalhar”. Seus mandatos expiram em fevereiro de 2015. Enquanto não forem cassados, continuarão desfilando pelos corredores da Câmara.

A situação de Valdemar e Henry é diferente da do outro colega-presidiário. Condenado a mais de 13 anos de prisão, Natan Donadon (ex-PMDB-RO) não pode deixar o cárcere. Depois que a Câmara decidiu, em votação secreta, preserver-lhe o mandato, Donadon ingressou no STF com um pedido de mudança de regime prisional. Queria retomar suas atividades na Câmara. Mas o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso no Supremo, indeferiu a liminar.

Preso, Donadon perdeu o gabinete, os assessores, o salário e todos os benefícios que o dinheiro público pode pagar. No caso de Valdemar e Henry, a Câmara não terá como sonegar-lhes a estrutura. A dupla preservará o direito à sala. Espanto! Manterá o séquito de auxiliares. Assombro!! E continuará recebendo salário mensal de R$ 26 mil, noves fora as verbas destinadas a custear o exercício do mandato. Estupefação!!!

Deve-se o inacreditável ao entendimento segundo o qual a Constituição assegura à Câmara a última palavra sobre os mandatos dos deputados condenados em útima instância. Adotada no caso Donadon e repisada em parecer da Secretaria-Geral da Casa, essa tese é endossada pela maioria dos membros da Mesa diretora, incluindo o seu presidente, Henrique Eduardo Alves.

Em privado, Henrique diz que a tese não é da Câmara, mas do próprio STF. Ele recorda que a posição do Supremo, antes majoritariamente favorável à cassação automática dos sentenciados, mudou depois que chegaram ao tribunal dois novos ministros: Teori Zavaschi e Luis Barroso. No julgamento de Donadon, realça o presidente da Câmara, o tribunal deliberou, por 6 votos a 5, que a palavra final sobre as cassações cabe mesmo à Câmara.

Assim, os deputados Valdemar e Henry, na bica de serem condenados pela Corte máxima do país, num julgamento técnico que consumiu sete anos de análise e reanálise de provas, serão, por assim dizer, rejulgados por seus pares, em processos conduzidos sobre a perna e submetidos a toda sorte de vícios próprios da corporação.

O brasileiro está sendo submetido a esse antiespetáculo porque a Câmara mantém na gaveta há dois meses a PEC dos Mensaleiros, proposta de emenda à Constituição que torna automática a cassação de parlamentares condenados em último grau por improbidade administrativa ou crimes contra a administração pública. A coisa não anda porque o PT, legenda-mãe do mensalão, se recusa a indicar seus três representantes na comissão especial que deveria analisar a PEC.

O que já é ruim pode se tornar pior se o Senado, em votação marcada para esta quarta, se negar a aprovar a proposta que acaba com o voto secreto nas votações do Congresso. Já aprovada na Câmara, essa emenda constitucional abre o voto em todas as situações, inclusive na análise de vetos presidenciais e de nomeações de ministros do STF, de embaixadores e de diretores de agências reguladoras. Parte dos senadores gostaria de restringir o voto aberto aos pedidos de cassação de mandato. O diabo é que, se modificarem o projeto, ele retorna à Câmara. E dificilmente será votado em 2013.

Josias de Souza

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