Ruy Fabiano |
Quando se cogita de reformar alguma coisa, tem-se por premissa que o objetivo é o aprimoramento. Em tese, ninguém faz reforma para piorar. É pelo menos o que diz o senso comum. Em política, porém, nem sempre prevalece o senso comum.
Frequentemente, a reforma piora o que já não era bom. Exemplos não faltam e seria ocioso citá-los. Mas, para não ficar num enunciado vazio, vejamos um caso concreto vinculado à reforma política: a proposta de cotas raciais para negros no Legislativo, remetida ao Congresso pela presidente Dilma Rousseff.
A proposta tramita em regime de urgência. Isto é, terá 45 dias para votação na Câmara e mais 45 no Senado. Se, nesse prazo, não for votada, tranca a pauta das demais votações. Ou seja, desta vez é pra valer. Em março, chegará ao plenário.
Falar em cotas raciais num país mestiço chega a ser surrealista, contradição em termos. Decidiu-se, em face disso – e para não abrir mão da política de segmentação/desunião da sociedade -, considerar que pardos, isto é, mulatos, são negros.
Não há base alguma – nem científica, nem sociológica, nem muito menos lógica – para tanto. Se o pardo é a junção de duas etnias (já que raça só existe a humana) – a negra e a branca -, por que a prevalência de apenas uma, a negra? E por que apenas 20% de negros, se, unidos aos pardos, constituem maioria?
A Constituição sustenta que “todos são iguais perante a lei” (artigo 5º) e considera a prática do racismo “crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Ora, beneficiar uma etnia em prejuízo de outras é o quê?
Essa, porém, não é a única disparidade na política de cotas. Desafio maior é aplicá-las com coerência, já que ela própria não a tem. Há pessoas em que prevalece o branco da epiderme, mesmo possuindo negros na família em grau de parentesco direto.
Como a natureza, muitas vezes, faz com que predomine a tez clara, perdem o privilégio do benefício étnico, que, no entanto, poderá se aplicar a um irmão, em cuja pele tenha prevalecido um tom mais escuro. Já houve casos assim, numa seleção de cotistas na UnB: de dois gêmeos, apenas um foi considerado negro.
O que está em pauta – disfarçado em política compensatória – é algo bem mais grave. Secciona-se a sociedade em grupos – negros, índios, feministas, homossexuais, sem-terra, ambientalistas etc. -, fazendo crer a cada qual que possui reivindicações a fazer ao conjunto da sociedade, que passa a figurar como vilão. Dividir para reinar, como ensina o velho adágio maquiavélico.
Em torno de cada um desses segmentos, gravitam milhares de ONGs (só as que cuidam dos índios são mais de cem mil), que auferem verbas milionárias do Estado, que figura então como instância de justiça, único ente em condições e oferecer os reparos históricos de que cada qual se julga credor.
Desnecessário dizer que cada segmento desse possui seu espaço no partido do governo, o PT, que estimula a criação dessas ONGs, em geral lideradas por seus próprios militantes.
Na época das eleições, essas comunidades transformam-se em células eleitorais ativas, a serviço do partido ao qual devem seus privilégios. Eis mais uma estratégia de aparelhamento da sociedade civil, à custa do dinheiro público.
Já se fala agora em estender as cotas raciais aos concursos ao serviço público. E a presidente Dilma diz ainda que o seu projeto “é um convite para que os outros dois Poderes – Judiciário e Executivo – façam o mesmo”. Bem, ela é a chefe do Executivo.
É mais fácil esse tipo de expediente, demagógico e sem eficácia concreta, que o efetivamente indispensável: investir no ensino público fundamental de qualidade, que torne democrático, justo e universal o acesso às diversas instâncias do Estado e da vida econômica em geral. Só que os frutos não se farão visíveis até a próxima eleição, que, no final das contas, é o que está por trás de tudo isso.
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