terça-feira, 12 de novembro de 2013

Choque de realidade


merval-pereiraNa mesma semana em que o PT dá mais uma demonstração de unidade, reelegendo com larga margem o deputado Rui Falcão, candidato de Lula e Dilma, para sua presidência nacional, o PSDB repete comportamento autodestrutivo, exibindo suas divergências ao respeitável público a menos de um ano da eleição presidencial que pode ser a mais difícil para os petistas, mas que os tucanos teimam em facilitar para o adversário.

Não é que os petistas tenham escondido suas divergências, ao contrário. Há muito tempo o governo Dilma não era tão criticado pelas diversas correntes em que se divide o partido.

E houve até mesmo quem defendesse o fim da aliança com o PMDB, o maior trunfo que o governo Dilma tem no momento para tentar a reeleição. Os críticos, no entanto, a partir deste fim de semana, terão que se recolher à sua insignificância, pois a maioria se pronunciou.

O ex-governador José Serra, obcecado com uma candidatura à Presidência da República, que já tentou duas vezes sem sucesso, exibe a frustração pessoal de não poder tentar uma terceira vez, fazendo críticas públicas à legenda que ajudou a fundar.

Todos sabem, até mesmo Serra, que a maioria do PSDB considera que em 2014 a vez é do ex-governador mineiro Aécio Neves. Ao decidir permanecer no PSDB, em vez de se jogar em uma aventureira candidatura à presidência pelo PPS, tudo indicava que o ex-governador aceitara a realidade política que tem pela frente: encerrar sua carreira como deputado federal ou senador, mantendo o prestígio dentro do partido.

Ia tudo dentro do script combinado com as lideranças tucanas, entre elas, a maior de todas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que já lhe dissera em particular o que declarou em recente entrevista: Serra tem que dar um tempo, a vez é de Aécio.

O próprio Aécio saiu em sua defesa, dizendo que ele tem todo o direito de sair pelo país fazendo palestras, e que sua imagem nacional só ajudaria o PSDB.

Mas, na última semana, a receita desandou. Em uma palestra para a juventude do PSDB, Serra simplesmente chutou o pau da barraca. Disse que o PSDB “tem necessidade de ser aceito pelo PT”.

E deu uma explicação psicológica adaptada às circunstâncias: “(…) o problema da Madame Bovary é querer ser aceita pelo outro lado. Ela vai à loucura, quebra a família e trai o marido com Deus e todo mundo para ser aceita. O PSDB tem um pouco do bovarismo”.

Serra tem até certa razão, e basta lembrar que nem ele nem Geraldo Alckmin usaram as conquistas do PSDB para se opor ao PT quando foram candidatos à Presidência, até mesmo escondendo o ex-presidente FH. Alckmin com aquele ridículo colete cheio de logos de empresas estatais é uma imagem inesquecível.

Mas, mesmo se a definição correta de bovarismo fosse a dada, a comparação não ficaria bem para ele. Afinal, quem foi que iniciou a campanha presidencial de 2010 querendo fazer-se passar por amigo de Lula, pensando em receber os votos petistas descontentes com a candidatura de Dilma?

Após usar o nome do ex-presidente em jingle na propaganda eleitoral (“Quando o Lula da Silva sair, é o Zé que eu quero lá”), sua campanha exibiu imagens em que Serra e Lula se abraçam.

Mas bovarismo, no sentido mais amplo que o psicólogo Jules de Gaultier deu em 1892, não é a tentativa de ser aceito pelo outro, ou pelo menos não é só isso. Na verdade, o bovarismo passou a designar fenômeno psíquico produzido pelo choque entre as aspirações de uma pessoa e a realidade que está acima de suas possibilidades.

É justamente o que ocorre hoje com Serra, político de inegáveis qualidades, que tem todo o direito de querer ser presidente, mas não aceita a realidade que o impede de atingir o objetivo.

O psiquiatra Joel Birman identifica na irritabilidade de Serra sintoma desse mal-estar provocado pela impossibilidade de realizar sonho que acalenta desde a juventude.

Merval Pereira em O Globo

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