O tom de voz era grave:
— Quero ganhar a eleição para cuidar do meu povo como mãe cuida do filho, é pra isso que serve o Estado.
Soou estranho. Não era mulher falando, mas o presidente da República. Lula discursava como se fosse Dilma Rousseff, em Salgueiro, a 500 quilômetros de Recife. Naquela terça-feira, 17 de agosto de 2010, a estreante do PT estava em São Paulo, mas pairava onipresente no sertão — em roucos arremedos do presidente.
À noite, na capital paulista, o empresário Eike Batista pagou R$ 500 mil por um terno de Lula. Foi num leilão beneficente promovido pelo cabeleireiro da primeira-dama Marisa Letícia. E, diante dela, o dono das empresas “X” arrematou a cena: comprometeu-se a dobrar o valor da coleta filantrópica (R$ 2 milhões, dos quais 25% desembolsados por ele).
Lula despediu-se prometendo a redenção do Nordeste, segundo maior colégio eleitoral do país: para Pernambuco, daria refinaria, porto e estaleiro; ao Ceará, refinaria e estaleiro; e, ao Maranhão, siderúrgica e exploração de gás natural.
— A coisa tá tão boa que até no Maranhão, onde o Sarney reclamava que era pobre, o Eike Batista acaba de achar gás —festejou.
Dois dias depois, convidou-o ao Palácio do Planalto. Ao sair, o empresário revelou uma reserva maranhense “de 10 a 15 trilhões de pés cúbicos” de gás natural, equivalentes a “quase a metade das reservas confirmadas de gás da Bolívia”.
Assessores do governo e teóricos do PT exaltavam o “surgimento de uma camada de empresários dispostos a seguir as orientações do governo”, da qual Eike Batista era “figura emblemática”. Sobre Dilma, já com 11 pontos de vantagem nas pesquisas, escreveu-se: “É talhada, por sua biografia, para levar adiante um projeto nacional pluriclassista.”
O dono das “X” ganhara status de fato relevante num projeto de hegemonia político-partidária. Governo e PT desejavam usá-lo para exorcizar o “modelo privatista” do adversário, o PSDB. E Eike, dispondo-se a ser a face privada de uma “reestatização branca”, poderia se beneficiar influenciando decisões de seu interesse.
Aproximados pelo governador Sérgio Cabral, presidente e empresário haviam traçado doze meses antes um roteiro para transferir 17,5% do controle da mineradora Vale, em mãos do Bradesco, para o grupo “X”. O governo controla 60% das ações (via BNDES e fundos de pensão estatais), mas a gestão era do banco privado.
Lula queria a submissão da Vale, como a estatal Petrobras. Alquimista de papéis, sem retorno à vista, o empresário viu a chance de “monetizar” seus investimentos — na definição em economês da Itaú Securities. Ou seja: fazer dinheiro com o BNDES, “o melhor banco do mundo”, como Eike repetia.
O Bradesco manteve sua parte, em acordo com Lula. Ele sustentou a campanha “antiprivatização” e elegeu Dilma, que ampliou o poder estatal na economia. Eike quebrou com um terno de R$ 500 mil no armário, que não cabe no seu figurino e muito menos na massa falida. Deixou R$ 6,3 bilhões pendurados no BNDES e na Caixa. Virou a imagem do capitalismo de laços, bem descrito em livro por Sérgio Lazzarini.
Não é o fim da história. Dilma vai tentar se reeleger em 2014. Dois anos depois, o acordo de acionistas da Vale será renegociado. “Se me encherem o saco, volto” — anuncia Lula para 2018.
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