GOLDEN SHOWER - De improviso, o presidente juntou-se, na Quarta-Feira de Cinzas, a uma roda de reza (Daniel Marenco/Agência O Globo) |
Em 7 de outubro, diante do resultado do primeiro turno que o colocava na liderança com mais de 46% dos votos contra 28% do segundo colocado Fernando Haddad, o então candidato Jair Bolsonaro usou o Facebook para comemorar e agradecer aos eleitores. Ao vivo e em cores, prometeu “unir o povo, unir os cacos que nos fez o governo de esquerda”, caso fosse vitorioso. Ao chegar à Presidência não fez valer a jura: traiu milhões de eleitores.
Além de não compreender a natureza e a grandeza do cargo que ocupa, como tem demonstrado continuamente em comportamentos desleixados, tuítes irresponsáveis e até escatológicos, Bolsonaro parece também não entender os motivos do apoio que recebeu de eleitores que haviam negado a ele o voto no primeiro turno. Pior: acredita que tudo pode, que é mesmo um mito, termo usado na campanha pelas torcidas fundamentalistas.
É fato que Bolsonaro soube encarnar com sucesso o repúdio do eleitor à corrupção, grudada ao PT. Usou com maestria as redes sociais e os batalhões fictícios que ela proporciona, e teve competência para terceirizar temas econômicos, sobre os quais nunca soube nada e não se esforça nem um pouco em aprender. Mas, ao contrário do que o ex-capitão, sua prole e seu guru Olavo de Carvalho preferem crer, é absurdo imaginar que o antipetismo tem o condão de transformar os que rejeitam Lula, Dilma & cia em ultradireitistas, apoiadores de pensamentos xenófobos, homofóbicos, anti-humanistas e castradores da liberdade.
Esse eleitor sem opção de centro atraente, que assegurou a vitória a Bolsonaro no segundo turno, é quem pode acrescentar peso ao governo. E, diferentemente dos fiéis, são pessoas sem alinhamento automático, que têm de ser conquistadas cotidianamente e que já começam a expressar descontentamento. Nas mesmas redes sociais em que milita a tropa do ex-capitão, aparecem arrependimentos, gente decepcionada, cansada das baboseiras do presidente, descrente diante da ausência de governo e de governante. Isso em pouco mais de dois meses.
No avesso da concórdia pregada há cinco meses, Bolsonaro insiste em rechaçar qualquer ideia diferente da sua, espuma quando contrariado e não esconde o ódio a jornalistas. Ele e os seus continuam a bater no petismo – e em qualquer um que pareça de esquerda, seja lá o que isso quer dizer -, como se o PT ainda tivesse algum peso. Com isso, em vez de minar, criam espaço para o repique do “inimigo” derrotado, engrossando bate-bocas nas redes, com xingamentos, palavrões. Um desastre.
Na outra ponta, a do combate à corrupção, Bolsonaro não está conseguindo nem mesmo fazer a mais básica lição de casa. Com a desvinculação do crime de caixa 2, a proposta anticorrupção do ministro da Justiça, Sergio Moro, chegou quebrada à Câmara. Mais grave: o presidente mantém sob sua guarda o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, enrolado com o laranjal do PSL. O afastamento do auxiliar chegou a ser pedido pela deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), coautora do processo de impeachment da presidente deposta Dilma Rousseff e dona de nada menos do que 2 milhões de votos.
Sem dar ouvidos à razão e com investimento zero em ações que desarmem ânimos e promovam consensos mínimos, Bolsonaro pode perder as batalhas que interessam ao país, como as reformas da Previdência e tributária. E joga no lixo os eleitores que conseguiu atrair entre um turno e outro, aprisionando seu governo na provocação improdutiva de uma direita medieval a uma esquerda do início do século passado.
Enquanto Bolsonaro digladia com o mundo e se expõe a ferimentos com os cacos que dizia querer juntar, o vice-presidente Hamilton Mourão e o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), passeiam para além dessa geografia ultrapassada. Possíveis sucessores postos antes mesmo de o governo completar 100 dias.
Por Mary Zaidan
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