Deus não me deu lá muita coisa que possa provocar inveja, eu sei. Mas ao menos uma: tenho uma das melhores memórias que conheço. De vez em quando, é chato. Para trabalhar, dada a minha profissão, é uma bênção.
Leio agora que as despesas decorrentes da cirurgia e internação do presidente Jair Bolsonaro no Albert Einstein, um dos hospitais de ponta no Brasil, ficarão em R$ 400 mil. E assim será porque os médicos decidiram não cobrar honorários. Ou seria muito mais. Não se sabe ainda quem ressarciu ou vai ressarcir as despesas da primeira internação, quando ele era apenas deputado e candidato.
A conta de agora será paga pela Presidência da República. Valer dizer: por nós!
O tempo pode ser cruel para os que conservam a arte de ficar corados, não é mesmo? Não estou certo de que seja o caso de Bolsonaro.
Dilma, ainda candidata, e Lula, já ex-presidente, trataram de seus respectivos cânceres no Sírio-Libanês, que ombreia com Einstein na condição de "o hospital" de ponta no Brasil. À diferença do caso Bolsonaro, não houve despesas para o erário.
Os petistas, e eu conheço essa história melhor do que ninguém, me tratavam como o demônio da imprensa. Mas não leram em nenhum texto meu, à época, nem em um caso nem em outro, nenhuma censura ao fato de candidata e ex-presidente buscarem tratamento de ponta. Ao contrário: eu censurei quem saia vomitando na Internet que eles deveriam se tratar no SUS. Meu posicionamento foi claro: deveriam buscar o melhor que o dinheiro de que dispunham podia pagar.
Até porque sou experimentado nisso. Extraí dois tumores do crânio em 2006. No Einstein. Eu podia pagar. Fiquei duro. Parcelei. Mas paguei. Bem mais tarde, em dezembro de 2016, o Sírio-Libanês cuidou de um aneurisma no meu cérebro. Meu plano, pago com o meu dinheiro, cobria. Oh, leitor inimigo! Você tem o direito de dizer que, da minha cabeça, só saem coisas que não prestam. Quando menos, a piada é boa!
Mas eu falava de memória, que não foi afetada nem pelos tumores nem pelo aneurisma.
Em 2011, parlamentares dos mais variados matizes se solidarizaram com o então já ex-presidente Lula pelo câncer na laringe. Não houve, quase, exceção na expressão do desejo de que o petista se recuperasse. Eu disse "quase". Houve, sim, uma exceção: Jair Bolsonaro.
Ouvido a respeito, o então deputado não expressou solidariedade nenhuma e ainda esculhambou Lula, afirmando que ele deveria se tratar no SUS, não no Sírio-Libanês. E olhem que coisa: o petista não gastava dinheiro público para se tratar numa instituição de ponta.
Agora, ficamos sabendo que a Presidência da República é que vai pagar os R$ 400 mil ao Einstein — e a conta poderia ter sido bem maior não fossem as afinidades eletivas dos médicos, certo? — em razão da segunda internação de Bolsonaro.
Se eu fosse como o atual presidente da República acha que as pessoas devem ser e como ele é com os outros, poderia perguntar: "Por que não se tratou no Hospital do Exército? Afinal, se ele pode entregar parte considerável de um país de mais de 200 milhões de pessoas aos militares, por que não a sua vida honorável?" Nota: acho os militares a melhor parcela de um governo patético no conjunto.
Mas eu não sou bolsonarista. Na verdade, porquanto isso queira dizer um pensamento, uma leitura da realidade e um modo de estar no mundo, eu tenho é repulsa por aquilo que se mostra ou busca significar.
Bolsonaro fez bem em buscar tratamento de ponta, ainda que com o dinheiro público. Ele fez mal quando atacou Lula por se tratar no Sírio-Libanês. E aquela despesa não foi paga com dinheiro público.
Bolsonaro vive para se desmentir e para ver suas afirmações serem desmoralizadas pelos fatos. Mas não acho isso ruim. Ele falava e falava muita besteira. A história não tinha como lhe dar razão. Torço para que ponha fim às asneiras. Mas, tudo indica, isso não se dará tão cedo.
Por Reinaldo Azevedo
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