Há algo de suicida no comportamento de Jair Bolsonaro. O doutor Paulo Guedes, homem forte da Esplanada, informa que, sem a reforma da Previdência, sobrevirá o Apocalipse. O governo só dará certo, portanto, se entregar a reforma. Na Câmara, exigem-se 308 votos. Para obtê-los, é preciso adotar três providências: dialogar, dialogar e dialogar. Mas Bolsonaro prefere fazer cara de nojo. Se continuar agindo assim, Dilma Rousseff vai acusá-lo de plágio.
Bolsonaro escolheu governar no mundo das redes sociais. É muito parecido com o País das Maravilhas. Ali, quem ousa mostrar o mundo real é acusado de conspirador. É isso o que está acontecendo com Rodrigo Maia. Grão-tuiteiro do reino, Carlos Bolsonaro foi ao país do cristal líquido para instruir os navegadores a cortarem a cabeça do presidente da Câmara. Após intensa refrega, Maia aconselhou Bolsonaro, o pai, a dedicar mais tempo à Previdência do que ao Twitter. Foi como se o deputado ecoasse Alice: "Vocês não passam de um baralho de cartas".
No país de Alice, a honestidade de Bolsonaro tornou-se uma virtude negativa. À medida que seu governo vai penetrando o caos legislativo, o presidente vai enumerando os mandamentos de sua honra. Todos começam com não. Coisas assim: Não colocarei bandido no ministério, não farei o toma-lá-dá-cá, não farei concessões à velha política, não isso, não aquilo.
No gogó, tudo soa muito lindo. Entretanto, no mundo das coisas práticas, um presidente que se escora no vocábulo da negação fica muito parecido com o sujeito que leva a família ao restaurante, acomoda-se numa mesa e, na hora de pedir a comida, enumera para o garçom todos os pratos que não deseja experimentar. A família volta para casa com fome e o filho do meio vai às redes para falar mal do estabelecimento.
Não existe velha nem nova política. Existe a boa política e a cleptopolítica. A Lava Jato demonstrou que, nos últimos anos, o índice de corrupção não aumentou no Brasil. Continua nos mesmos 100%. O presidente faz bem em tomar distância do modelo em que a governabilidade é obtida na base do "uma mão suja a outra". Mas é uma tolice negar a evidência de que não há política sem escambo.
É natural que os congressistas sejam portadores de demandas do seu eleitorado. Bolsonaro dispõe de uma vacina capaz de imunizá-lo contra a radioatividade da formação de consórcios partidários. Basta comunicar aos integrantes da sonhada maioria parlamentar: "Não me peçam nada que subverta o interesse público. No meu governo, não se toma e não se dá nada que não possa ser exposto na vitrine."
Fora disso, a retórica do combate à velha política não serve senão para abrir o caminho que conduz a uma nova balbúrdia. Jair Bolsonaro e sua dinastia sempre poderão correr às redes sociais para acusar o Congresso de bloquear as propostas do governo. Mas já ficou entendido que esse tipo de fuga serve para criar crises, não para evitar o Apocalipse de que fala Paulo Guedes.
Por Josias de Souza
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