segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Com Kim Janot-un, direito penal brasileiro se resume a pantomima de arapongas e alcaguetes



Entre tantas outras, o país vive sob duas imposturas principais, e ambas trazem a chancela deste impressionante Rodrigo Janot, que passo a chamar, enquanto ele estiver por aí, de “Kim Janot-Un”, dada a sua incrível irresponsabilidade. Refiro-me, claro, ao sei lá como chamar, “novo capítulo” do romance de Joesley Batista — pelo visto, ele pode ir atualizando sem prazo a sua obra aberta — e à delação de Lúcio Funaro, que venceu a licitação que disputou com Eduardo Cunha. Kim Janot-Un havia deixado muito claro: o preço dos benefícios era acusar o presidente Michel Temer. E, claro, ele acusou.

Notem: não há moralidade possível que justifique o procedimento. Funaro não é neófito nem nas artes de celebrar acordo. Ele já havia fechado um durante o mensalão. O que se está a dizer aqui é que estamos diante de uma personalidade que não se deixou intimidar por aquele que era, então, um dos mais ruidosos processos do país a alvejar a classe política e seus “operadores” nas franjas do mercado sujo. Nada disso! Funaro só cresceu na hierarquia criminosa.

Ora, a Lava Jato não apareceu ontem, certo? Se este senhor tinha o que dizer — e tudo indica ser isso verdade, dado o meio em que transita —, que o dissesse, então, quando caiu na rede. Mas não. Ele preferiu se calar. Em um dos processos, diga-se, ele aparece como aquele que faz ameaças a parceiros de crimes, não como o que está disposto a fazer acordo. Teve múltiplas chances de escolher o caminho da delação, mas preferiu caminhar para um julgamento sem nenhuma proteção especial. Em um dos processos, por duas imputações, pegou mais de 15 anos de cadeia.

E é essa figura, um profissional do crime de outros carnavais, que é pinçado por Kim Janot-Un para a segunda etapa de sanha vingativa contra o presidente da República? “Ora, ora, Reinaldo? Mas não se devem negociar acordos justamente com bandidos? Não são os bandidos que têm algo a dizer?” Pois é… Segundo o juiz Sérgio Moro, em despacho oficial, esse negócio de dar trela a bandido não é certo… É bem verdade que ele falava para proteger um amigo…

É claro que estou fazendo uma ironia, que abandono já. É claro que, em regra, fazem delação os criminosos e os que cometem irregularidades — ou, ao menos, os que silenciaram diante delas. O ponto não é esse. A questão é saber se essa colaboração pode e deve mesmo ser aceita a qualquer momento e sob quaisquer condições. A impunidade, por exemplo, parece-me coisa inaceitável.

Há outros aspectos que precisam ser pensados. Exceção feita às delações, será que existe investigação digna desse nome? Sérgio Machado acusou Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney de obstrução da investigação. A PF não encontrou uma vírgula a respeito. Delcídio do Amaral disse que Lula lhe dera instrução para comprar o silêncio de Nestor Cerveró. O Ministério Público Federal pede simplesmente o fim da investigação. O mesmo Delcídio acusou Dilma de ter nomeado ministros do STJ para soltar empreiteiro. A PF chegou à conclusão de que isso não aconteceu. E que fim vocês acham que terá a acusação ridícula de que Aécio Neves tentou obstruir a investigação quando debateu com seus pares um texto que muda a lei que pune abuso de autoridade? Ora, essa é sua função.

Faço a pergunta, mas, de fato, o espírito do meu texto é afirmativo. A verdade é que a investigação, hoje, no país, e isto deveria preocupar a consciência democrática, se limita a delações e escutas telefônicas. Nada mais. E é preciso que se digam as coisas com todas as letras. E só pode fazê-lo os que não têm medo.

O direito penal brasileiro corre o risco de se tornar refém de arapongas e alcaguetes! Eis o mundo de Kim Janot-Un. Ele transformou o direito brasileiro na sua Coreia do Norte particular.

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