Cesar Barbieri |
Nos dois últimos meses toda a imprensa enfatizou os 50 anos da implantação da ditadura militar no Brasil, no início dos anos 1960. Um grande número de livros foram lançados e outros relançados, documentários ocuparam um bom espaço nos canais de televisão, principalmente da tv paga, alguns deles abordando o assunto de forma geral e outros com temas específicos, tais como as mulheres que foram torturadas nos quartéis do Exército Brasileiro, ou as crianças (entre 04 e 10 anos) que também passaram pelas garras dos torturadores do famoso DOI-CODI, da Operação Bandeirantes etc. etc. etc. Tais reportagens e documentários, na medida do possível, abordaram o fato mostrando os dois lados da moeda — um deles, pasmem, até elogiou o acontecimento e justificou a tortura dos “inimigos que queriam implantar um regime comunista no País”! Mas viver em uma democracia é isso mesmo, uns continuaram denunciando as atrocidades promovidas pelo golpe militar de 31de março de 1964 e, outros, exaltando os benefícios e os acertos da “revolução de 1º de abril” do mesmo ano.
Lamentavelmente, tais documentários foram exibidos, quase que exclusivamente, pela chamada tv paga. Por certo, as grandes emissoras da chamada tv aberta estão mais interessadas no processo de inculcação e alienação realizado por intermédio das telenovelas, das minisséries religiosas, dos medíocres programas de auditório ou das já desgastadas revistas eletrônicas. Tais documentários, que estimulam o debate sobre a história recente deste País, deveriam estar sendo veiculados nos conhecidos telões, em praça pública, como acontece com alguns jogos de futebol do time da CBF, ou com espetáculos musicais de cantores e/ou bandas de rock internacionais e nacionais, não? Deveriam estar sendo discutidos em todas as escolas públicas, das diversas redes de ensino; projetos pedagógicos deveriam proporcionar atividades educativas aos milhões de crianças, adolescentes e jovens que não sabem, nem sequer, quem foi João Goulart, o que representou a “guerra fria”, ou a importância de Ferreira Gullart, de Torquato Neto ou do Tropicalismo! Tal situação, por certo, é causada pelo tipo de Educação elegido pela elite brasileira desde a chegada dos famigerados jesuítas, em 1549.
Vinha eu, pois, pensando nesse grande problema brasileiro que é a Educação dos brasileiros, quiçá o maior deles, quando ouvi, no rádio do carro, uma música de Cazuza (não me lembro do nome), em que ele afirma que os seus heróis haviam, todos, morrido de over dose! Já ouvi essa música várias vezes, mas apenas naquele momento pude perceber que os meus heróis, os homens e mulheres que tiveram grande influência na minha formação como ser humano, diferentemente do que ocorrera com ele, não haviam partido nem dessa forma, nem por algum motivo semelhante, ou, nem mesmo, em circunstâncias parecidas ...
Alguns, como o indiano Mahatma Gandhi, ou o argentino Ernesto Guevara, ou, por incrível que possa parecer, o estadunidense Martin Luther King, ou, ainda, a cubana Vilma Espin (heroína da revolução cubana que criou e liderou o pelotão feminino de Sierra Maestra), ou os brasileiros Carlos Lamarca, Carlos Marighela e Vladimir Herzog, dentre tantos, deram as suas vidas por um mundo melhor. Ao serem sumariamente executados, perderam a vida ao lutar pela construção de uma formação social mais justa e sem discriminações; pelos direitos de homens e mulheres que haveriam de ser restabelecidos, por intermédio do desenvolvimento do processo democrático!
Outros, como a brasileira Lélia Abramo (líder e presidente do sindicato dos artistas de São Paulo) e os também brasileiros Luiz Carlos Prestes, Herbert de Souza (o Betinho), Apolônio de Carvalho, Francisco Julião, D. Helder Câmara e Paulo Freire, viveram lutando, valentemente, para que fosse possível o desenvolvimento de um processo de formação social que, fundamentado nos princípios da democracia e da participação popular, oportunizasse a conscientização das classes subalternas, dos oprimidos, quanto à sua situação no contexto histórico, socioeconômico e quanto às estratégias e ações para a sua transformação. Uma formação social em que fosse possível a criação, realização e implantação de um sistema de educação, laico, público e gratuito que, como ação cultural, tivesse como premissa básica a prática da liberdade e a libertação de oprimidos e opressores!
Meus heróis, nada têm de parecido com os do jovem cantor de baladas, prematuramente desaparecido! São homens e mulheres que, de uma forma ou de outra, ressignificaram as suas próprias vidas e mostraram (a mim e a tantos outros) que era possível dar um outro sentido para a minha existência e para a existência de tantos e tantos brasileiros e brasileiras que, oprimidos pela mão forte das elites nacionais e internacionais, cada vez mais, vinham sucumbindo na realização de sua autonomia, na conquista da sua liberdade! Homens e mulheres que caminhavam e cantavam uma nova canção; com quem aprendemos que as mudanças, além de necessárias, eram possíveis! Homens e mulheres que muito contribuíram para o processo de minha educação; da minha compreensão sobre a condição humana de ser-no-mundo e ser-do-mundo, como já falara Heidegger! Mais do que heróis, foram meus mestres: Mestres na difícil arte do existir! Pedagogos da existência!
Com eles aprendemos que, como seres inconclusos que somos, podemos optar por nossa humanização e não admitir ou permitir que aqueles que em nome da modernidade, da ciência, do tal “mercado” — essa alegoria neoliberal que faz as vezes de uma cortina de fumaça, tentando escamotear o processo de dominação pretendido pelos opressores —, ou do engodo da autossustentação deem continuidade a esse processo de desumanização que, na sociedade ocidental, vem em franco desenvolvimento, no mínimo, desde a Roma Antiga, distorcendo, como diz Paulo Freire, a nossa vocação histórica e ontológica em ser mais!
Paulo Freire (preso e encarcerado como traidor e exilado pela ditadura militar), bem conhecido de todos os educadores compromissados com as questões pertinentes ao processo de educação das classes populares, em muitas ocasiões afirmou: educar-se é encharcar de significado cada ato de nossa vida cotidiana!
Desta forma, não foi difícil compreender que o fenômeno Educação, considerando sua polissemia, é um processo do homem aprender a ser-no-mundo e que exige uma pedagogia que, como concebeu Paulo Freire, seja uma pedagogia dos homens empenhando-se na luta por sua libertação, uma pedagogia do Homem, com agá maiúsculo! Uma Educação que se realize por intermédio de uma pedagogia que tenha como radical exigência a transformação objetiva da situação opressora! Uma pedagogia que realizar-se-á por intermédio de um educador que mais do que um alfabetizador, um professor, um diretor de escola ou um especialista nas chamadas tecnologias educacionais, seja, como relata Moacir Gadotti, um profissional do sentido!
Os participantes do “Projeto de cooperação para um mundo melhor”, reunidos, no final do século XX, em Mount Abu, na Índia, concluíram e declararam que:
“Uma visão sem uma tarefa, é apenas um sonho.
Uma tarefa sem uma visão, é apenas um trabalho árduo.
Mas, uma visão com uma tarefa pode mudar o mundo!”
John Lennon estava enganado, o sonho não acabou! Ainda, sequer se realizou! Cada vez mais é preciso continuar “caminhando e cantando, e seguindo a canção”!
Cesar Augustus S. Barbieri é Mestre em Educação, na área de Ciências Sociais e Humanas Aplicadas à Educação, pela Universidade de Brasília-UnB, Doutor em Educação, na área de Fundamentos da Educação, pela Universidade Federal de São Carlos-UFSCar e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe-IHGSE - (E um querido amigo deste blogueiro)
2 comentários:
Um homem que a vida toda lutou para implantar ditaduras. Para alguns historiadores essa glorificação messiânica é injustificável. Para eles, longe de ser um humanista, Che Guevara aprovou pessoalmente centenas de execuções sumárias pelo tribunal revolucionário de Havana.
Cesar eu sou um daqueles que louvo o levante que impediou que este pais caisse nas garras do comunismo. Você hoje pode falar o que está falando, ao "som" de um copo de chope porque este movimento se deu. Faz coro com os que entendem que muitos que bem-não-compreenderam a missão que os militares, da qual orgulhosamente faço parte, tiveram. Mas fique atento, pois pelo caminho que estamos trilhando pode ser que em breve você não possa ter a liberdade que você agora está tendo, sequer para tomar seu chope. Você está somente querendo ser "politicamente correto" ou simplesmente "estar no roldão da atualidade, estar na moda", pois não creio que você, pela boa pessoa que é, tenha realmente seguido os exemplos dos facínoras que você acima mencionou, eis que se verdadeira, nesta esteira você poderia sim ter adotado o cazuza também como exemplo. Cesar você demorou para aparecer, mas quando veio, o fez com esta infeliz opinião. Uma pena.
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