Por intermédio de estatais da ilha caribenha, a Venezuela importa alimentos do Brasil a um valor acima do mercado — e, em pelo menos um contrato, há suspeita de corrupção
Leonardo Coutinho – Veja
Os governos petistas do Brasil e os chavistas da Venezuela têm uma capacidade espantosa de criar subterfúgios para transferir dinheiro dos seus contribuintes para a ditadura dos irmãos Fidel e Raúl Castro, em Cuba. Os tiranos caribenhos recebem dos aliados do Sul petróleo subsidiado, empréstimo para construir portos e a chance de exportar mão de obra a preços superfaturados (há outra maneira de explicar o fato de o governo cubano confiscar mais de 70% do salário dos profissionais enviados para o Brasil pelo programa Mais Médicos?).
O ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, em especial, praticamente entregou o seu país ao controle e à exploração dos cubanos. Os enviados dos Castro dão ordens aos generais venezuelanos, dominam os cartórios e a emissão de documentos, fazem a segurança do presidente Nicolás Maduro e administram a alfândega dos portos e aeroportos. Uma das áreas mais lucrativas nas mãos dos fidelitos e que mais prejudicam os cidadãos venezuelanos, porém, é a importação de itens básicos, como remédios e alimentos. As estatais cubanas responsáveis por esse serviço são negligentes, fazem a Venezuela pagar mais caro pelos produtos e, em pelo menos uma ocasião, exigiram propina de empresários no Brasil.
Hugo Chávez deu às empresas Alimport, CubaControl e Surimport, de Cuba, o direito de intermediar toda a importação estatal de alimentos a partir de 2008. Isso representa um terço do total comprado do exterior. Só do Brasil, o segundo maior exportador para o país, foram enviados em 2013 mais de 2 bilhões de dólares em alimentos, principalmente carne. Justo no ano em que as estatais cubanas entraram no negócio, os preços pagos pela Venezuela pelos produtos brasileiros dispararam (veja o quadro acima). E, igualmente em 2008, houve um episódio que põe sob suspeita a lisura das negociações feitas pelos escritórios de comércio exterior cubanos instalados no Brasil.
Num processo contra a PDVSA, a estatal venezuelana de petróleo, encerrado em 2011 na Justiça dos Estados Unidos, os donos da exportadora americana Dexton Validsa informaram que foram chamados para uma reunião no antigo hotel Gran Meliá Mofarrej, em São Paulo, três meses depois de os cubanos assumirem a intermediação das importações venezuelanas. Nesse encontro, do qual participaram concorrentes brasileiros da Dexton, os representantes da PDVSA explicaram as novas regras para exportar para a Venezuela. Isso incluía pagar 2 milhões de dólares de propina para assegurar o negócio. Os americanos se recusaram e, em punição, tiveram o contrato de exportação de carne rompido. A Dexton conseguiu provar na Justiça que o rompimento não se justificava porque os cubanos passaram a comprar carne de uma empresa brasileira a um preço 14% mais alto. A PDVSA, que administra os mercados populares em que a carne da Dexton seria vendida, foi condenada a pagar uma indenização aos americanos pela quebra de contrato. Procuradas pela reportagem, as exportadoras brasileiras de carne informaram que nunca receberam pedido de propina dos funcionários da CubaControl e da Surimport, que tem escritórios no Brasil, para assegurar a venda de cargas para a Venezuela.
Os frigoríficos justificam que no preço mais alto cobrado da Venezuela está embutido o risco de calote e de atraso no pagamento, problemas pelos quais o pais já está famoso no mercado internacional. Somente com o Brasil, os atrasos chegam a seis meses, com uma dívida acumulada no mês passado de 1,5 bilhão de dólares (não incluídos os contratos com empreiteiras), dos quais a maioria é da compra de alimentos. Apesar disso, quando visitou Caracas em outubro do ano passado, Fernando Pimentel, então ministro brasileiro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, não fez referência aos atrasos e afirmou que estava lá para tentar aumentar ainda mais a exportação de alimentos. Disse Pimentel, na ocasião (prepare o fôlego): “Ativamos de imediato planos especiais para conseguir o superabastecimento de produtos-chave que foram golpeados por essa guerra econômica de especulação”.
A expressão “guerra económica” é recorrente no discurso chavista, e é uma maneira de culpar a oposição, o empresariado e os produtores rurais da Venezuela pelo desabastecimento no país. Segundo a mais recente estimativa, seis em cada dez itens da cesta básica e de uso diário, como papel higiênico, estão em falta nas prateleiras. Ao contrário do que pensa Pimentel, a culpa é quase toda do governo chavista e de seus parasitas cubanos. Primeiro, Chávez destruiu a produção agrícola do país com a expropriação de terras e ataques aos empresários da agroindústria. Depois, com o controle do câmbio e o aumento progressivo da inflação, o governo chavista passou a tabelar os preços, a ponto de o valor dos alimentos ficar abaixo do seu custo de produção. Nos últimos dez anos, a proporção de alimentos produzidos internamente caiu de 60% para 30%.
Para compensar, o Estado passou a importar alimentos para vender a preços subsidiados em redes como Mercal e PDVAL, subsidiária da PDVSA. Empresas privadas também podem importar, mas o pagamento aos fornecedores externos só pode ser feito por intermédio do governo, o que se tornou uma fonte inesgotável de corrupção e atrasos. A atuação dos cubanos como importadores oficiais só piorou a situação. Em 2008, de 1 milhão de toneladas importadas por eles, apenas 150 000 foram comercializadas. O resto foi desviado ou apodreceu em armazéns da PDVAL. Esse desperdício ocorre ano após ano. Afinal, aos enviados dos Castro interessa apenas garantir o sustento do seu regime que, além dos 5% de comissão oficial pelo serviço de importação, recolhe propinas mundo afora.
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