quarta-feira, 28 de agosto de 2013

"Dia da infâmia"


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No último dia 6 de Agosto, o primeiro ataque nuclear da história da humanidade completou 68 anos. Ele foi desferido através da bomba nomeada ‘Little Boy’ sobre a cidade de Hiroshima, no Japão. Três dias depois, a ‘Fat Man’ foi despejada contra a cidade de Nagasaki. Ao todo, estima-se que ambas mataram instantâneamente mais de 220.000 pessoas, sem contar as dezenas de milhares que faleceram posteriormente, em decorrência dos ferimentos e efeitos colaterais da radiação. Após esses incidentes, o império japonês rendeu-se incondicionalmente e estava encerrada oficialmente a Segunda guerra mundial.

O dia do primeiro ataque é muitas vezes conhecido como o ‘dia da infâmia’, pela quantidade de vidas que ceifou e também por ser o marco inicial da era atômica, a partir da qual o planeta poderia ser reduzido à cinzas de uma hora para outra. Porém, é injusto simplesmente atribuir como infame um evento permeado por um dos maiores dilemas morais já experimentados pela humanidade.

Em Agosto de 1945, a guerra na Europa estava encerrada, com a Alemanha nazista derrotada e dividida entre soviéticos e os aliados ocidentais. Apesar do final do conflito, a situação permaneceu dramática por muitos meses, em decorrência da ampla destruição na maioria das cidades que foram palco de batalhas e bombardeios e pela presença de dezenas de milhões de refugiados e ex-prisioneiros, oriundos de todas as partes, que iniciavam um sofrido retorno à sua terra natal, sem nenhuma certeza do que poderiam encontrar. Além do problema humanitário, havia uma grande tensão no ar pela crescente zona de influência comunista. A URSS já havia tomado conta de todo leste europeu e princípio de guerras civis eclodiam em países como Itália e Grécia, por conta da ruptura entre os simpatizantes do regime de Moscou e seus opositores. Para alguns analistas, a terceira guerra mundial entre os aliados ocidentais e a URSS era uma questão de tempo.

No front do Pacífico, o Japão resistia bravamente e mesmo acuado, não entregava os pontos. Apesar de já ter perdido todos os territórios conquistados após o ataque à Pearl Harbour, as ilhas japonesas permaneciam indevassáveis e seus soldados, conhecido por sua feroz resiliência, mantinham o mesmo espírito combativo do início da guerra. Não havia sinais de que o Império do Sol Nascente fosse anunciar sua rendição, mesmo que a derrota parecesse provável e iminente.

dilema3Conforme acordado pelos três grandes aliados (EUA, Grâ-Bretanha e URSS), os esforços de guerra somente poderiam ser encerrados quando o inimigo declarasse sua rendição incondicional. Os termo ‘incondicional’ foi bastante debatido pelas três potências desde sua primeira conferência em conjunto, ainda no período em que nazistas e japoneses detinham a supremacia no teatro da guerra, e não houve ressalvas à sua aplicação. O objetivo era eliminar em definitivo os partidários do nazismo, sem permitir qualquer tipo de condicionante. Isso foi seguido à risca na Europa, com a Alemanha nazista prostrada de joelhos e destruída, e esperava-se que os Estados Unidos, líderes dos aliados na guerra do Pacífico, impusessem o mesmo tipo de derrota ao Japão.

É nesse cenário, com um inimigo que teimava em não ceder diante de si, e um aliado que posicionava-se cada vez mais como adversário em um futuro próximo, irradiando um regime de governo diametralmente oposto aos valores americanos, que os Estados Unidos testaram pela primeira vez a bomba atômica, em Julho de 1945, após anos de desenvolvimento ultra-secreto. Eis então o dilema moral dos mais complexos, para o qual não há resposta fácil, diante do então Presidente Truman e sua equipe de auxiliares mais próxima:

Não fazer uso da nova descoberta significava estender a guerra, talvez por mais de um ano, pois uma invasão ao Japão seria necessária. Segundo especialistas, isso implicaria em centenas de milhares de baixas americanas e provavelmente mais de um milhão de vidas japonesas. A indefinição da guerra no Pacífico também favoreceria o crescimento da simpatia pela URSS junto à opinião pública mundial e particularmente aos países periféricos da Europa. O exército Vermelho era tido como o principal responsável pela derrocada dos nazistas. Quanto mais tempo os EUA levassem para finalizar a guerra, mais a balança de forças políticas penderia para o lado soviético.

Por outro lado, utilizar a bomba implicaria em uma rendição imediata dos japoneses e encerraria o conflito em definitivo com um número bem menor de vítimas do que a opção da guerra prolongada, e ao mesmo tempo colocaria os EUA um degrau acima de todas as outras potências militares, por ser a única detentora (até aquele momento) de uma arma de destruição em massa tão poderosa, o que certamente conteria o ímpeto soviético na Europa.

Os críticos da ação americana argumentam que a rendição incondicional japonesa era provável, e que cedo ou tarde ocorreria sem que houvesse necessidade de lançar as bombas letais. Não há indícios de que essa fosse mesmo a realidade. Os próprios americanos esperavam pelo anúncio da rendição após Hiroshima. Como ela não veio, reincidiram com a operação em Nagasaki. Estivessem os japoneses inclinados a render-se, isso ocorreria após o primeiro ataque. O fato de silenciarem por três dias, mesmo após tamanha tragédia e demonstração de inferioridade bélica, é um sinal de que a rendição não teria ocorrido por vias normais e que as batalhas seguiriam por meses a fio.

Qualquer que fosse a decisão, seria constestada. Tivessem os EUA protelado o uso da bomba e prolongado a guerra, com efeito direto na morte de milhões adicionais, seriam alvejados por críticas dos mesmos que hoje lamentam o dia da infâmia.

Toda guerra é infame. Nenhuma se justifica. Mas uma vez no meio dela, qual das abordagens é mais aceitável: a pragmática, que elege o ‘menos pior’ como alternativa, ou a virtuosa, que evitaria a todo custo ações que determinassem vultosas perdas massivas e imediatas de vidas? E se você fosse o Presidente Truman, qual decisão tomaria?

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