Jair Bolsonaro: já sabemos como usa o dinheiro da Câmara. Como usaria o do Brasil? |
A Vila Histórica de Mambucaba, em Angra dos Reis, no Rio, e Wal, a vendedora de Açaí, mostram, agora de forma inequívoca e sem chance para contraditas, os pés de barro do mito Jair Bolsonaro (PSL), deputado que concorre à Presidência da República. Não é uma questão de valor pecuniário, mas de valor moral. E os valores morais, ou a sua deformação, estão na raiz dos grandes escândalos que há no país. Tudo, no fim das contas, é uma questão de oportunidade. Já chego lá.
Bolsonaro gosta de bater no peito e asseverar a própria honestidade. Na mitologia alimentada por seus admiradores, o Congresso seria um repositório de canalhas, e o “mito” brilharia entre as exceções. O parlamentar, que passou 28 anos na Câmara, conseguiu aprovar dois projetos de lei e uma emenda, a do voto impresso, que foi derrubada pelo Supremo. No caso dos projetos, um estendeu isenção de IPI para produtos de informática, e outro liberou para consumo a chamada “pílula do câncer”, a fosfoetanolamina. Nos estertores do seu governo, Dilma não teve coragem de vetar a lei, embora a Anvisa, a Associação Médica Brasileira e a Academia Brasileira de Ciência tenham sido unânimes em recomendar a rejeição ao texto. A razão é simples: não há nenhuma evidência científica de que tal substância combata o câncer. Mas sabem como é… Bolsonaro não é do tipo que se dobra à ciência. Adiante.
O desempenho é modesto, mas ele se mostrou hábil para enricar. Junto com três filhos, também políticos, acumulou um invulgar patrimônio: R$ 13 milhões, segundo levantamento feito pela Folha junto a cartórios. Dado o salário líquido do quarteto, estamos diante de verdadeiros magos da economia. E é neste ponto que Walderice Santos da Conceição, 50, moradora de Manducaba, entra na história. Ela pode ajudar a elucidar o segredo da multiplicação do patrimônio.
Eu, você e o Zé Bedeu, se temos uma casa de campo ou de praia, pagamos com nosso dinheiro as despesas de manutenção do imóvel. Bolsonaro também. Quero dizer: ele também paga com o nosso dinheiro. O preclaro tem uma casa na tal vila de Angra dos Reis. Walderice e seu marido, Edenilson, cuidam do imóvel. E quem arca com a despesa — ou arcava até ontem, vamos ver — é a Câmara dos Deputados. Wal mora em Mambucaba, onde tem um pequeno estabelecimento que vende açaí. Ocorre que ela figura desde 2003 como funcionária do gabinete do deputado, recebendo um salário de R$ 1.416,33.
Em janeiro, a Folha revelou a existência de Wal e a classificou de funcionária-fantasma. Informou que ela e o marido prestavam serviços na propriedade local de Bolsonaro. Ele se zangou, negou a irregularidade e afirmou que ela estava de férias. No debate havido na Band, foi indagado sobre o caso pelo candidato Guilherme Boulos (PSOL) e se saiu com a mesma desculpa. Nesta segunda, a reportagem voltou ao local e lá estava Wal, vendendo açaí, como sempre. Ela ligou mais tarde para a reportagem afirmando que iria pedir demissão, anúncio que o deputado fez posteriormente na Câmara.
“Ah, dados os escândalos bilionários no país, vão pegar no pé de Bolsonaro por meros R$ 1.416,33 mensais?” A pergunta é burra. Fato: Bolsonaro nunca foi um parlamentar influente nem no baixo clero. Pode-se dizer com alguma segurança que ficou distante dos, digamos, “esquemas de Brasília” porque também os “esquemas de Brasília” quiseram guardar distância dele. O “Caso Wal”, no entanto, é emblemático. Se, milionário que já é, usa recursos públicos para pagar despesas pessoais, o que poderia fazer quando estivesse lidando com a montanha de dinheiro da República? Imaginem o “presidente Bolsonaro” transformando o Brasil numa Vila Histórica de Mambucaba de dimensões continentais.
Apelando a uma imagem e aludindo a Padre Vieira, afirmo: ladrões mixurucas roubam como pequenos piratas, e grandes piratas, como Alexandre Magno.
Já sabemos como Bolsonaro trata a grana oficial que passa por seu gabinete. Como trataria a que passa pela República Federativa do Brasil? Temos todo o direito de inferir que a moralidade seria a mesma. Só a escala mudaria brutalmente, não?
Por Reinaldo Azevedo
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