terça-feira, 28 de agosto de 2018

A 1ª Turma do Supremo pode decidir hoje se Bolsonaro se torna réu pela segunda vez, agora por racismo. O passado do tribunal e a eleição



A Primeira Turma do Supremo decide nesta terça, se o julgamento for concluído e ninguém pedir vista, se o deputado Jair Bolsonaro se torna réu por racismo. Já escrevi a respeito na sexta-feira. Não tenho nada a acrescentar ao que lá vai. O texto segue reproduzido abaixo:
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O ministro Marco Aurélio, do STF, decidiu antecipar para esta terça, a pedido da própria defesa, o julgamento do recebimento de uma denúncia contra o presidenciável Jair Bolsonaro. O magistrado é relator do inquérito. A Procuradoria Geral da República acusa o deputado de racismo em razão de declarações feitas por ele durante uma palestra no clube A Hebraica, no Rio. Disse então: “Eu fui em um quilombola em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais”. Nota: o candidato costuma trocar, como nessa fala, a palavra “quilombo” por “quilombola”, que é o morador de um quilombo.

A sessão estava marcada para 4 de setembro, mas os advogados de Bolsonaro pediram a antecipação justamente em razão da campanha eleitoral. Se a Primeira Turma receber a denúncia, ele se torna réu pela segunda vez no Supremo. Ele já responde a ação penal por incitação ao estupro por ter dito, em 2014 — e não em 2003 — que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela não merece. Em entrevista, na sequência, ao jornal “Zero Hora”, acrescentou mais uma razão: ela não merecia ser estuprada por ser “muito feia”. Tomou o cuidado, claro, de dizer que não é um estuprador. Falava por hipótese: se fosse… Ah, bom!

Nos dois casos, a defesa do deputado alega que sua fala está protegida pela imunidade parlamentar. Segundo o Artigo 53 da Constituição, “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”

Não foi o que entenderam quatro ministros do Supremo: Luiz Fux (relator), Rosa Weber, Edson Fachin e Roberto Barroso. Acataram o voto de Fux, segundo quem, como relata o site do Supremo,
“as declarações do deputado Bolsonaro não têm relação com o exercício do mandato. ‘O conteúdo não guarda qualquer relação com a função de deputado, portanto não incide a imunidade prevista na Constituição Federal’, disse. Ele acrescentou que, apesar de o Supremo ter entendimento sobre a impossibilidade de responsabilização do parlamentar quanto às palavras proferidas na Câmara dos Deputados, as declarações foram veiculadas também em veículo de imprensa, não incidindo, assim, a imunidade. Observou, ainda, que não importa o fato de o parlamentar estar no gabinete durante a entrevista, uma vez que as declarações se tornaram públicas. Segundo o relator, para que possam ser relacionadas ao exercício do mandato, as afirmações devem revelar ‘teor minimamente político’, referindo-se a fatos que estejam sob o debate público e sob investigação do Congresso Nacional ou da Justiça, ou ainda sobre qualquer tema relacionado a setores da sociedade, do eleitorado, organizações ou grupos representados no Parlamento ou com a pretensão à representação democrática.”Prossegue o site do Supremo:

“O ministro também salientou que o deputado disse, implicitamente, que deve haver merecimento para ser vítima de estupro, uma vez que o emprego do vocábulo ‘merece’ conferiu o atributo de ‘prêmio’ à mulher que merece ser estuprada por suas aptidões e qualidades físicas. ‘As palavras do parlamentar podem ser interpretadas com o sentido de que uma mulher não merece ser estuprada quando é feia ou não faz o gênero do estuprador’, afirmou. ‘Nesse sentido, dá a entender que o homem estaria em posição de avaliar qual mulher poderia e mereceria ser estuprada’, disse Fux, ressaltando que tal declaração menospreza a dignidade da mulher.”

No caso, o único voto divergente foi o de Marco Aurélio, segundo quem a garantia constitucional é incondicional. É ele o relator da denúncia sobre racismo. É certo que votará pela rejeição. Mas a decisão caberá à Primeira Turma. Dizer que um quilombola se pesa em arrobas e que nem mais serve para a reprodução, por óbvio, associa o indivíduo a uma espécie não-humana. Nesse caso, a fala está coberta pela imunidade? É racismo? Define o Artigo 20 da lei 7.716 tratar-se de racismo “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” Foi o que fez Bolsonaro?

E há uma questão adicional, da qual o Supremo não pode fugir. O Artigo 86 da Constituição determina que um presidente seja afastado do cargo por até 180 dias se o STF receber uma denúncia contra ele por crime comum ou se o Senado o fizer por crime de responsabilidade. Se não for julgado nesse período, volta ao cargo. Pois bem. Em dezembro de 2016, o Supremo decidiu que réus que estejam na linha sucessória não podem assumir a Presidência nem interinamente. O raciocínio é óbvio: se um presidente não pode ser réu no cargo, também não pode sê-lo quem assume o seu lugar, ainda que temporariamente.

É claro que está criada a questão: se quem já é presidente tem de se afastar porque é réu; se quem está na linha sucessória não pode assumir o cargo nem por alguns dias porque réu, como é que um réu pode se tornar presidente? Convenham: não faz sentido. Mas que fique claro: a decisão tomada pelo Supremo é omissa a respeito desse assunto. Nada diz sobre candidatos à Presidência.

A Constituição nada diz a respeito de candidatos réus. Mas também nada diz sobre os que estavam na linha sucessória. A ação do PSOL buscava, originalmente, impedir o então deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara, de assumir a Presidência. Depois serviu para barrar Renan Calheiros, que presidia o Senado. Eu me opus à decisão do STF. Argumentei que assumir interinamente a Presidência da República era uma prerrogativa do cargo, não da pessoa. Se Renan presidia o Senado, não havia como lhe cassar uma das prerrogativas.

Mas os movimentos de rua, estimulados pela Lava Jato, e os bolsonaristas aplaudiram a decisão do STF. Se é assim, os valentes têm agora de arcar com o peso da escolha que fizeram, não?

O Supremo não pode agir como se a questão não existisse.

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